Um
sacramental para todos os momentos do dia
Simples
de fazer, ele nos defende do mal, protege contra as investidas do demônio e nos
obtém valiosas graças de Deus.
Felipe
Ramos
Em
fins do quarto século, a grande multidão reunida em torno de um gigantesco
pinheiro aguardava o desfecho de um empolgante episódio. O
bispo São Martinho de Tours havia feito derrubar um templo pagão e decidira
cortar o pinheiro que se encontrava próximo ao local e era objeto de culto
idolátrico. A isto se opuseram numerosos pagãos que lançaram um desafio:
consentiriam no abate da "árvore sagrada" se o Santo, como prova de
sua confiança em Cristo, estivesse disposto a ficar amarrado debaixo dela
enquanto eles próprios a cortassem.
Assim
foi feito. E vigorosos golpes de machado em pouco tempo fizeram o tronco
começar a pender em direção à cabeça do homem de Deus. Rejubilavam- se
ferozmente os pagãos, enquanto os cristãos olhavam com angústia para seu santo
bispo. Este fez o sinal-da-cruz e o pinheiro, como que soprado por uma potente
rajada de vento... caiu do outro lado sobre alguns dos mais ferrenhos inimigos
da Fé. Nessa ocasião, muitos se converteram à Igreja de Cristo.
Remonta
ao tempo dos Apóstolos
Segundo
a tradição, corroborada pelos Padres da Igreja, o sinal-da-cruz remonta ao
tempo dos Apóstolos. Alguns afirmam que o próprio Cristo, durante a sua
gloriosa Ascensão, abençoou os discípulos com este símbolo de sua Paixão
Redentora. Os Apóstolos e demais discípulos teriam, por conseguinte, propagado
esta devoção em suas missões.
Já
no século II, Tertuliano, o primeiro escritor cristão de língua latina,
exortava: "Para todas as nossas ações, quando entramos ou saímos, quando
nos vestimos ou tomamos banho, estando à mesa ou acendendo as velas, quando
vamos dormir ou nos sentar, no início de nossas obras, façamos o
sinal-da-cruz".
Este
bendito sinal é ocasião de graças tanto nos momentos mais importantes quanto
nos mais corriqueiros da vida cristã. Ele se nos apresenta, por exemplo, em
diversos sacramentos: no Batismo, assinalando com a cruz de Cristo aquele que
vai Lhe pertencer; na Confirmação, quando recebemos na fronte os santos óleos;
ou ainda, nas horas derradeiras, quando somos agraciados com a Unção dos
Enfermos. Persignamo-nos no início e no fim das orações, ao passar diante de
uma igreja, ao receber a bênção sacerdotal, ao iniciar uma viagem, etc.
Uma
devoção rica em significados
O
sinal-da-cruz tem inúmeros significados, dentre os quais se destacam os
seguintes: um ato de entrega a Jesus Cristo, uma renovação do Batismo e uma
proclamação das principais verdades de nossa Fé: a Santíssima Trindade e a
Redenção. O modo de fazê-lo também é rico em simbolismo e sofreu algumas alterações
ao longo dos tempos.
A
primeira delas parece ter sido decorrência de uma controvérsia com a seita dos
monofisitas (séc. V), os quais se persignavam com apenas um dedo, querendo com
isto significar que na pessoa de Cristo o divino e o humano se reuniam numa só
natureza. Em oposição a esta falsa doutrina, os cristãos passaram a fazer o
sinal-da-cruz unindo três dedos (polegar, indicador e médio), para indicar seu
culto à Santíssima Trindade, e apoiando os outros dois na palma da mão, para
simbolizar a dupla natureza (divina e humana) de Jesus. Ademais, em toda a
Igreja, os cristãos dessa época se persignavam em sentido contrário ao em uso
hoje, ou seja, do ombro direito para o esquerdo.
Inocêncio
III (1198-1216), um dos maiores papas do período medieval, deu a seguinte
explicação simbólica dessa maneirade se persignar: "O sinal- da-cruz deve
ser feito com três dedos, pois se faz com a invocação da Santíssima Trindade. O
modo tem de ser de cima para baixo e da direita para a esquerda, porque Cristo
desceu do Céu para a terra e passou dos judeus (direita) para os gentios
(esquerda)". Atualmente, essa forma continua sendo usada apenas nos ritos
católicos orientais.
No
início do século XIII, alguns fiéis, imitando o modo de o sacerdote dar a
bênção, começaram a se persignar da esquerdapara a direita, com a mão
espalmada. O mesmo Papa relata o motivo dessa mudança: "Outros,
entretanto, fazem o sinal-da-cruz da esquerda para a direita, porque da miséria
(esquerda) podemos chegar à glória (direita), assim como sucedeu com Cristo ao
subir aos Céus. (Alguns padres) fazem desse modo e as pessoas procuram
imitá-los". Esta forma acabou por se tornar costume em toda a Igreja no
Ocidente, e assim permanece até os nossos dias.
Benéficos
efeitos
O
sinal-da-cruz é o mais antigo e o principal sacramental, isto é, um "sinal
sagrado", mediante o qual, à imitação dos Sinal da Cruz são significados principalmente efeitos
espirituais que se alcançam por súplica da Igreja" (CIC, cân. 1166). Ele
nos defende do mal, protege contra as investidas do demônio e nos obtém graças
de Deus. São Gaudêncio (séc. IV) afirma que, em todas as circunstâncias, ele é
"uma invencível armadura dos cristãos".
Aos
fiéis que se mostravam perturbados ou tentados, os Padres da Igreja
aconselhavam o sinal-da-cruz como solução de eficácia garantida.
São
Bento de Núrsia, após viver por três anos como ermitão em Subiaco, foi
procurado pelos monges de um mosteiro próximo dali, cujo abade falecera, os
quais, depois de muita insistência, conseguiram que ele concordasse em assumir
esse cargo. Em breve, porém, arrependeram-se ao constatar que o novo abade não
lhes permitia levar a vida relaxada de antes, e combinaram de matá-lo. Nesse
criminoso intuito, apresentaram-lhe uma jarra de vinho envenenado. Quando,
conforme seu costume, o homem de Deus traçou sobre ela o sinal-da-cruz, ela se
desfez em pedaços.
* * *
Ave,
ó Cruz, nossa única esperança! Na Cruz de Cristo, e só nela, devemos confiar.
Se ela nos sustenta, não cairemos; se ela é nosso amparo, não desesperaremos;
se ela é nossa força, o que poderemos temer?
Seguindo
o conselho dos Padres da Igreja, jamais tenhamos respeito humano ou negligência
em utilizar este eficaz sacramental, pois ele será sempre nosso refúgio e
proteção. (Revista Arautos do Evangelho, Jul/2005, n. 43, p. 28-29)