ANTIOQUIA
No final do século I (A.D. Annum Domini), Antioquia era capital da província Romana da Síria, a terceira cidade (metrópole) mais importante do Império Romano depois de Roma e Alexandria. Foi nesta cidade, à margem do Rio Orontes (vide nota), que Paulo de Tarso
pregou o seu primeiro sermão cristão (numa sinagoga), e foi aqui que os
seguidores de Jesus foram chamados pela primeira vez de cristãos.
TERCEIRO BISPO de ANTIOQUIA
O primeiro bispo de Antioquia foi nada mais ou nada menos que o Apóstolo São Pedro, ao qual sucedeu São Evódio. Então, na sequencia o terceiro foi São Inácio.
O nome "INÁCIO" vem do latim "ignis" que significa "fogo", por isso era chamado de "Inácio, O TEÓFORO", ou seja, "Aquele de Coração Ardente", ou mais ainda de: "Aquele que, ardentemente e por amor, trazia Deus no seu íntimo". Este varão gozava de muita estima e autoridade entre os fiéis da Ásia Menor, por ter sido discípulo do evangelista São João e designado pelo próprio São Pedro para assumir a autoridade de Bispo naquela Igreja.
CATOLICISMO
IGREJA CATÓLICA e CRISTIANISMO são neologismos atribuídas à Santo Inácio. Portanto, ao bispo de Antioquia é devida a honra de ter dado à Santa Igreja, por primeira vez, o glorioso título de católica: "Onde estiver o bispo, ali estarão também as multidões, da mesma forma que onde estiver Jesus Cristo, ali estará a Igreja Católica".
Nota: A cidade de Antioquia ficava à margem do Rio Orontes (ou ‘Asi) é um rio que
corre nos territórios do Líbano, da Síria e da Turquia. Com nascentes no leste
do Vale do Beqaa (Líbano), corre na direção norte, paralelo ao litoral,
cruzando o oeste da Síria até desaguar no Mediterrâneo, próximo ao porto turco
de Samandağ. Sua extensão total é de 571 km. Ao longo de seu vale, passaram,
ao longo dos séculos, exércitos e tráfego provenientes de ou com destino ao
Egito. Às margens do Orontes, travaram-se as batalhas de Kadesh e de Qarqar.
VIRGINDADE de NOSSA SENHORA
Também, é conhecido em sua época como o maior defensor do dogma da Virgindade de Nossa Senhora.
"E permaneceram ocultos ao príncipe desse mundo a
Virgindade de Maria e seu parto, bem como a morte do Senhor: três mistérios de
clamor, realizados no silêncio de Deus". "A verdade é que o nosso Deus, Jesus, o Ungido, foi
concebido de Maria segundo a economia divina; nasceu da estirpe de Daví, mas
também do Espírito Santo"
Nota: Na Igreja Católica Romana, um dogma é uma verdade absoluta, definitiva,
imutável, infalível, inquestionável e absolutamente segura sobre a qual não
pode pairar nenhuma dúvida. Uma vez proclamado solenemente, nenhum dogma
pode ser revogado ou negado, nem mesmo pelo Papa ou por decisão conciliar. Por isso, os dogmas constituem a base inalterável de toda a Doutrina católica e qualquer católico é obrigado a aderir, aceitar e acreditar nos dogmas de
uma maneira irrevogável. Os dogmas têm estas características porque os católicos romanos confiam
que um dogma é uma verdade que está contida, implicita ou explicitamente, na
imutável Revelação divina ou que tem com ela uma "conexão necessária". Para que estas verdades se tornem em dogmas, elas precisam ser propostas
pela Igreja Católica diretamente à sua fé e à sua doutrina, através de uma
definição solene e infalível pelo Supremo Magistério da Igreja (Papa ou Concílio
ecuménico com o Papa) e do posterior ensinamento destas pelo Magistério
ordinário da Igreja.
FÉ na PRESENÇA REAL de CRISTO na EUCARISTIA (Corpo, Sangue, Alma e Divindade)
Os cristãos vinham sendo confrontados
com uma corrente de pensamento chamada docetismo, que negava que "o
Verbo Se havia feito Carne", ou seja, negava que Jesus Cristo tinha
assumido a natureza humana. Uma das consequências de tal doutrina é que consideravam impossível a crença no culto que Cristo instituiu na Santa Ceia, e que havia pedido que se fizesse em Sua memória, sendo o Pão como o Corpo de Cristo e o
Vinho como o Sangue de Cristo:
"Ficam longe da Eucaristia
e da oração, porque não querem reconhecer que a Eucaristia é a Carne do nosso
Salvador, Jesus Cristo, a qual padeceu pelos nossos pecados e a qual o Pai, na
Sua bondade, ressuscitou. Estes, que negam o dom de Deus, encontram a morte na
mesma contestação deles. Seria melhor para eles que praticassem a caridade, para
depois ressuscitar."
E o mesmo Inácio, na epístola
aos Filadelfos, diz: "Assegurem, portanto, que
se observe uma Eucaristia comum; pois há apenas um Corpo de Nosso Senhor, e
apenas um cálice de união com Seu Sangue, e apenas um altar de sacrifício -
assim como há um bispo, um clérigo, e meus caros servidores, os diáconos. Isto
irá assegurar que todo o seu proceder está de acordo com a vontade de
Deus."
Assim essa corrente de
pensamento motivou testemunhos preciosos das comunidades cristãs a respeito de
sua Fé na presença real (Corpo, Sangue, Alma e Divindade) de Cristo na
Eucaristia.
DOMINGO como NOVO DIA de ALIANÇA do SENHOR
Inácio também declara que os
cristãos herdeiros da Nova Aliança não guardam mais o sábado, mas se reúnem no
dia do Senhor (o domingo):
"Aqueles que viviam na
antiga ordem de coisas chegaram à nova esperança, e não observam mais o sábado,
mas o dia do Senhor, em que a nossa vida se levantou por meio dele e da sua
morte. Alguns negam isso, mas é por meio desse mistério que recebemos a fé e no
qual perseveramos para ser discípulos de Jesus Cristo, nosso único Mestre".
PRISÃO e VIAGEM à ROMA
No ano 107 da era cristã, o imperador Trajano festejava sua vitória sobre Decébalo, rei da Dácia. Querendo
manifestar seu reconhecimento aos deuses, a quem atribuía seu recente sucesso,
Trajano organizou uma perseguição contra os cristãos que negassem a existência
dessas divindades. Entre os condenados estava um venerável ancião, presa de
grande valor, - pois se tratava do bispo de uma das cidades de maior importância
naquela época -
Segundo uma antiga tradição, o
primeiro encontro entre o imperador e Inácio dera-se quando este último,
sabendo da passagem do césar por sua diocese, fora apresentar-se
voluntariamente a ele. Submetido a um interrogatório no qual Trajano tratou-o
de "espírito malvado", respondeu o santo com majestade: "Ninguém
pode chamar a Teóforo de espírito malvado". "Quem é o Teóforo ou
portador de Deus?" perguntaram-lhe."É aquele que leva a Cristo em seu
peito..." Instado pelo imperador para que se explicasse mais sobre essa
afirmação, o homem de Deus declarou: "Está escrito: ‘Habitarei e andarei
no meio deles'" (2 Cor 6, 16). Assim, por essas palavras, ele mesmo dava
testemunho de um milagre que viria a ser confirmado após o seu martírio.
Trajano ordenou, pois, que Inácio
fosse acorrentado e conduzido a Roma, sob a custódia de dez soldados, para ali
ser lançado às feras no anfiteatro Flaviano.
Grande foi a consternação dos fiéis
ao conhecerem a sentença que recaíra sobre seu amado pastor. Ele, pelo contrário,
regozijava-se e não deixava de dar graças a Deus por ter sido achado digno de tão
grande misericórdia. Já antes da partida, embarcando no porto de Selêucia, a
notícia de sua detenção espalhara-se por aquelas regiões e de todas as partes
acorriam os cristãos para vê-lo passar e dar um último adeus àquele que os
precederia no Reino dos Céus.
A dolorosa viagem viu-se, então, transformada em
verdadeiro desfile triunfal. Em Esmirna, o bispo São Policarpo, acompanhado de
seu rebanho, acolheu-o com manifestações de homenagem e respeito. Também as
comunidades de Éfeso, Trales e Magnésia foram-lhe ao encontro em grande multidão,
desejosas de pedir sua bênção e testemunhar os padecimentos daquele atleta de
Cristo. Ele, de seu lado, não esquecera a missão que o Senhor lhe confiara e
continuava a exercer seu ministério, apesar de ter as mãos apertadas por grilhões.
A muitos batizou pelo caminho, a outros edificou pelas suas palavras cheias de
unção, e a um número incontável inflamou na caridade, arrastando-os com seu
exemplo a acompanhá-lo no martírio.
A dolorosa viagem transformou-se em verdadeiro
desfile triunfal. Por onde passava as comunidades cristãs iam ao seu encontro em
grande multidão, desejosas de pedir sua bênção. Seu zelo incansável levou-o a
escrever sete cartas, dirigidas àquelas mesmas Igrejas que tão fervorosamente o
haviam recebido. Seus escritos, verdadeiros tesouros de doutrina e
espiritualidade, podem ser considerados como "a segunda formulação doutrinária
cristã".
Uma de suas principais preocupações
estava na união que os fiéis deviam manter com Jesus Cristo, através da legítima
hierarquia: bispos e presbíteros. Assim, exortava ele na carta aos magnésios:
"Esforçai-vos por ficar firmes na doutrina do Senhor e dos apóstolos, para
que tudo quanto fizerdes tenha bom êxito na carne e no espírito, pela fé e pela
caridade, no Filho, no Pai e no Espírito, no princípio e no fim, com vosso
digno bispo e a bem entretecida coroa espiritual de vosso presbitério,
juntamente com os diáconos agradáveis a Deus. Sede submissos ao bispo e uns aos
outros como, em sua humanidade, Jesus Cristo ao Pai, e os apóstolos a Cristo e
ao Pai e ao Espírito, para que a união seja corporal e espiritual."Em
outra passagem, aconselhava a seu amigo Policarpo: "Tem cuidado pela
unidade, pois nada há de melhor."
Também foi ele o defensor de um
ponto que só viria a ser elevado à categoria de dogma séculos mais tarde: o
parto virginal da Santa Mãe de Deus. Assim escreveu aos efésios: "ao príncipe
deste mundo foi ocultada a virgindade de Maria, seu parto e também a morte do
Senhor". Aos seus caros esmirnenses também afirmava: "Crendo de
igual modo que verdadeiramente nasceu da Virgem, foi batizado por João ‘para
que nele se cumprisse toda a justiça.'"
A doutrina de Inácio era clara e
segura; ele a haurira dos lábios daquele discípulo a quem tantos mistérios
haviam sido revelados ao repousar a cabeça sobre o peito do Verbo Encarnado e
nos longos anos de convivência com Maria Santíssima.
UM LUTADOR RESIGNADO SÓ PODE SER TRAIDOR
Esta excelência da caridade que
pervadia o interior de nosso santo, só tendia a crescer à medida em que se
sucediam as etapas da viagem que o aproximavam da tão almejada meta. Embarcando
no porto de Dirraquio - sempre sob o olhar vigilante dos guardas, os quais ele
mesmo chamava de "dez leopardos", a causa dos maus tratos que lhe
infligiam - enfrentou uma longa travessia, bordejando o sul da Itália e, por
fim, desembarcou em Óstia, a 20 de dezembro do ano 107, último dia das festas públicas
que se celebravam em Roma.
Na orgulhosa metrópole dos
imperadores comemorava-se ainda o triunfo de Trajano sobre os dácios. Durante
123 dias haviam-se prolongado os espetáculos nos quais morreram 10.000
gladiadores e 12.000 feras. O bispo Inácio era esperado com ansiedade pela
turba pagã, pois as vítimas ilustres e de aspecto venerável exerciam maior atração
nos jogos circenses. Por isso, os soldados para lá conduziram-no sem demora. Os
cristãos receberam-no às portas da cidade, com manifestações de sincera admiração
e respeito. Alegravam-se ao vê-lo, mas lamentavam, ao mesmo tempo, que lhes
fosse arrebatado tão cedo. Rogaram-lhe, então, que obtivesse de Deus o favor de
que algumas relíquias suas lhes fossem deixadas após o martírio. Embora contra
sua vontade - pois ele desejava ser devorado por inteiro - o santo varão acedeu
bondosamente em fazerse cargo de pedido tão filial.
Arrastando suas cadeias, Inácio
atravessou as ruas pavimentadas da capital do império: ao longe podia divisar
os imponentes muros do Coliseu dominando o vale, circundado pelos montes
Palatino, Esquilino e Célio. Aquele edifício representava para ele o termo de
seus anelos, a realização de suas esperanças mais íntimas, a consumação de seu
holocausto. Caminhava apressadamente, não com a resignação de um condenado, mas
impelido pelos ardores de entusiasmo que não mais cabiam dentro de sua alma,
convicto de que o lutador resignado é traidor. Aquele edifício servir-lhe-ia de
túmulo e de altar, ao passo que seria o pedestal de onde seu espírito voaria ao
céu.
DESEJO SER TRITURADO COMO O TRIGO
Uma numerosa multidão acorrera ao Coliseu para
presenciar o sangrento espetáculo e se deliciar com o destroçamento do corpo do
mártir. Este, sereno e alegre, não manifestou a menor vacilação quando as
grades foram abertas e entrou no vasto anfiteatro, à espera do trágico momento
em que as bestas ferozes fossem soltas. As vaias e os escárnios daqueles pagãos
para ele nada significavam. Pelo contrário, eram-lhe uma razão a mais para crer
na invisível coorte de bem-aventurados a esperá-lo com uma palma e uma coroa.
Ouve-se um hurra na turbamulta, sucedido por silêncio
e um grande suspense: os famintos leões irromperam na arena e, impetuosos, avançaram
sobre a pura e inocente vítima para devorá-la. Entretanto, com a majestade e
império que possuem as almas tomadas pelo Espírito Santo, o mártir estancou-as
a meio caminho, com um simples gesto de mão.
Num movimento solene, ajoelhou-se e, elevando os
braços ao céu, clamou em alta voz: "Senhor, aqueles que me acompanharam e
que são também vossos filhos, pediram-me que rezasse a fim de que algo lhes
sobre deste martírio, para estímulo de sua fé. Eu, porém, desejaria ser
triturado como o trigo para vos ser oferecido como hóstia pura. Senhor, fazei a
vontade deles e também a minha, eu vos peço".
Após a oração, assistida com estupefação pela horda
criminosa e pagã e pelas feras, com respeito, eis que ainda mais grandioso e
nobre gesto permitiu a estas últimas sair de seu miraculoso encantamento e dar
vazão aos instintos de sua voraz natureza.
Em poucos minutos, lá entravam os gladiadores a
agrilhoar aqueles animais que acabavam de saciar seu bestial apetite com as
carnes de um novo serafim. A arena vazia, o espetáculo terminado, retirou-se
vagarosa e frustrada a assistência. Que demonstração de fé e de nobreza haviam
presenciado.
MARTÍRIO e o NOME de JESUS no CORAÇÃO
Os
cristãos por ali ainda permaneceram à espera do cair do sol. E quando o manto
da noite passou a cobrir a cidade de Roma, penetraram na arena à procura das
poeiras tornadas relíquias ao serem embebidas pelo sangue daquele que agora os
precedia na glória celeste.
Um
milagre! Encontraram intactos um fêmur e o coração! Tomados de sobrenatural
entusiasmo, caminharam sem medir distâncias, rumo às catacumbas e depois de
algumas horas, constataram, à luz das lamparinas, outro milagre: num círculo,
as veias e artérias do coração do santo mártir, constituíam as célebres
palavras: Iesus Nazarenus, Rex iudeorum.
Inácio,
o Teóforo, o portador de Deus, atestara seu nome com aquele comovedor prodígio.
Seu coração amante fora subjugado e modelado pelo Amado, segundo aquele pedido
do Cântico: "Põe-me como um selo em teu coração" (Ct 8, 6). Nem as
tribulações, nem as correntes, nem os suplícios, nem a própria morte o haviam
podido separar do amor de Cristo. Por sua santa vida, rica em pregações, em
caridade e exemplos, assemelhara-se ao Divino Mestre, imitando- o enquanto
verdadeiro Pastor das ovelhas. Por sua generosa entrega levada ao extremo da
imolação, alcançara para sempre aquela "única coisa necessária" (Lc 10,
42): o convívio eterno com Aquele a quem só procurara na Terra, Jesus!
A este
santo varão de Deus bem poderiam ser aplicadas as belas palavras de um autor
medieval: "Forte é o amor, que tem poder para privarnos do dom da vida.
Forte é o amor, que tem poder para restituir-nos o gozo de uma vida melhor.
Forte é a morte, poderosa para despojar-nos do revestimento deste corpo. Forte é
o amor, poderoso para nos roubar os despojos da morte e no-los entregar de
novo.
Forte é
a morte, a ela o homem não pode resistir. Forte é o amor que pode vencê-la,
embotar-lhe o aguilhão, travar- lhe o ímpeto, quebrantar-lhe a vitória." 9
E uma
vez mais caiu a noite sobre a grandiosa mole do Coliseu. As areias do circo pagão,
regadas pelo sangue daquele que portara a seu Redentor no peito,
transformaramse de novo em campo arado e fértil, de onde germinariam muitos
outros filhos da Esposa Mística de Cristo.