FONTE: https://rumoasantidade.com.br/sete-dores-maria-fulton-sheen/
Reflexões do Arcebispo Fulton J. Sheen sobre as Sete Dores
de Nossa Senhora
“Oh Santa Mãe, fixai as chagas do Crucificado fortemente em
meu coração; de Vosso Filho ferido que por mim quis sofrer, partilhai comigo as
dores.”
A Primeira Dor: Profecia de Simeão
Profecia de Simeão, a primeira dor de Maria
A ferida inicial foi a profecia de Simeão. O Divino Menino,
com a idade de quarenta dias, foi levado ao Templo; mal Simeão teve em seus
braços a Luz do Mundo, logo de seus lábios saiu o canto do cisne: está pronto a
morrer, porque viu o Salvador. Depois de ter anunciado que esse menino será
objeto de contradição, disse a Maria:
“A Tua alma será trespassada por uma espada de dor.”
Notai que Simeão não disse que uma espada lhe trespassaria o
corpo. A lança do centurião poderia trespassar o Corpo de Cristo; o Seu Corpo
poderia ter sido ferido ao ponto de “os seus ossos se poderem contar”, mas o
Corpo de Maria será poupado.
Assim como, na Anunciação, quando Ela concebeu, o êxtase –
ao contrário do amor humano – foi, primeiro, na sua alma, e, depois, no seu
corpo, assim, na sua compaixão, as dores do martírio penetram primeiro a sua
alma, para depois terem ressonância no seu corpo, como eco de todos os golpes
com que a carne de Seu Filho foi flagelada, com que as Suas mãos e os Seus pés
foram trespassados.
A Espada só tem quarenta dias e, todavia já sabe como ferir.
Desde aí, quando Maria tocar nas mãos dum menino, nelas verá a sombra de um
prego. Se o seu coração houvesse de formar um só com o de Jesus, então, como
Ele, devia ela ver todos os pores-do-sol tintos do sangue da Paixão. As Suas
pequeninas pulsações seriam, para o Seu coração, a trágica advertência dos
terríveis martelos.
A Sua dor não será o que Ela sofre, mas saber o que Ele
sofrerá… O gume da espada destinado ao Salvador significava, para Sua Mãe, pela
boca de Simeão, que Ele devia ser vítima para o pecado. A parte que a Ela dizia
respeito consistia em saber que, até à hora do supremo sacrifício, Ela era
responsável pela vida de Jesus.
Com uma só palavra, Simeão previu a Crucifixão e a Sua dor. Mal essa nova barca foi lançada às águas da vida, logo um ancião Lhe anunciou o naufrágio. A Mãe teve quarenta dias para beijar o Seu Filho com alegria. Só; mais nada. A sombra da contradição alastra para sempre sobre o Seu futuro.
Maria não beberá, de certo, o cálice do pecado, nem a borra
amarga que Seu Filho beberá no Jardim das Oliveiras; todavia, Ele Lhe
aproximará dos lábios o cálice.
A hostilidade do Mundo é o prêmio que cabe a todos aqueles
que pertencem a Jesus. Quantos convertidos não têm sentido o fanatismo ou o
desprezo daqueles que lhes censuram o terem deixado a mediocridade do Mundo
pelas alturas do sobrenatural!
Nosso Senhor, falando dessa oposição, disse:
“Vim para trazer a espada com que separe o pai do filho, a
mãe de sua filha.”
Se o crente sente a contradição, quanto mais a não sentirá
Maria, Mãe d’Aquele que iria conduzir a Cruz, símbolo da contradição. Mas uma
vez que Cristo trazia a espada ao Mundo, devia ser sua Mãe a primeira a
experimentá-la, não como vítima involuntária, mas pronunciando livremente o seu
FIAT, para a Ele se unir no ato da Redenção.
Se vós fôsseis o único de olhos abertos num mundo de cegos,
não quereríeis ser o seu amparo? Se a bondade se comove perante as feridas, não
tentará a virtude, perante o pecado, cooperar na obra d’Aquele que limpa os
pecados?
Se Maria, sem pecado, aceita com alegria a espada que lhe
vem da Divindade sem mancha, qual de nós, pecadores, se lamentaria, quando o
próprio Jesus nos permite sofrer pela remissão das nossas faltas?
“Ó Maria, trespassada de dores; Salvai-nos! Tocai e salvai a
alma daquele que amanhã comparecerá perante o Todo-Poderoso; Uma vez que todo o
homem nasceu de uma mulher por cada um que disso precise, amigo leal ou inimigo
corajoso, Intercede, Vós, ó Senhora!”
Segunda Dor: Fuga para o Egito
Fuga para o Egito, a segunda dor de Maria
Duas espadas são agora brandidas: uma por Herodes, que quer
matar o Príncipe da Paz, de modo a obter uma falsa paz pelo reinado da força; a
outra por Aquele que é a Própria Espada e que quereria ver o Êxodo levar, pelo
contrário, da Terra onde vai refugia-se com Sua Mãe, o povo, cujos exercícios
Ele outrora dirigiu. É José, de novo, o encarregado de proteger o Pão Vivo.
Os corações suportariam melhor as suas penas se estivessem
certos que estas provinham de Deus. Que o Seu Divino Filho Se sirva de Simeão,
como instrumento da Sua primeira ferida, era compreensível a Maria, porque “o
Espírito Santo n’Ele estava”. Mas desta vez, tratava-se de homens cruéis. Como
nós nos sentimos abandonados de Deus, quando Ele permite que a perversidade nos
aflija! No entanto, o Todo-Poderoso está nos braços de Maria, e permite-o!
A Cruz parece ser uma dupla cruz, quando não vem d’Ele; ora,
neste caso, não são a nossa paciência e a nossa capacidade de sofrer que são
postas à prova, mas a nossa humildade e a nossa fé.
Se o Filho de Deus, em Sua natureza humana, e Sua Santa Mãe
não tivessem sentido ambos a tragédia de milhões de seres que, na nossa
civilização atual, são perseguidos por novos Herodes; se Eles não tivessem
partilhado da experiência dolorosa dessas populações violentadas arrancadas à
sua pátria e conduzidas pela força para as inóspitas planícies da Sibéria; se o
novo Adão e a nova Eva não tivessem sido as primeiras pessoas deslocadas da
História Cristã, então os infelizes refugiados poderiam levantas as mãos ao Céu
para exclamarem:
“Não sabe Deus como e quanto eu sofro!”
Ou ainda:
“Nunca mulher nenhuma suportou tais dores!”
Foi por amor da Humanidade que Maria sofreu, com Jesus, as
dores duma Terra inóspita. A Imaculada Conceição e a Virgem Maria tinham sido
os dois muros que a separavam do mal. Mas a espada fendeu os muros, abateu-os,
e assim permitiu que Ela sentisse o que Ele Próprio sentiu na manhã da vida.
Também Ela deve ter os Seus Pilatos e os Seus Herodes! Como o padre que leva o
Santíssimo Sacramento aos doentes está pronto a defendê-Lo à custa da sua
própria vida, também Maria, levando Emmanuel em Seus braços, aprendia que ser
Sua Mãe significava sofrer com Ele para, em seguida, reinar com Ele. As
palavras de Simeão só interiormente A atingiram: a cólera de Herodes, a fuga
para o Egito, era a luta contra o mal vindo de fora. Também Cristo, mais tarde,
iria das dores íntimas da Agonia do Jardim das Oliveiras à Crucifixão do
Calvário.
E, no entanto, bastava uma palavra desse Bebê nos braços de
Sua Mãe, para poder fazer calar todos os Herodes do mundo, desde aquele até
Estaline ou Mao-Tsé-Tung, mas tal palavra não a quis Ele dizer: o Verbo era
agora uma Espada. Todavia, como devia ser apunhalante – e isso de um modo
realmente superlativo – a dor do Menino que, possuindo um espírito infinito,
conhecia e consentia nesses angustiosos acontecimentos! A mãe que vê seu filho
sofrer durante uma operação, sofre, decerto, por ele, mas suporta essa dor
tendo em vista a que daí lhe venha a ele um bem compensador. Aqui, o Filho é o
cirurgião que, com a Sua espada de dois gumes, trespassa o Seu Próprio Coração,
antes de atravessar o de Sua Mãe, como que para amortecer o golpe que A atinge.
O Verbo é uma arma de dois gumes; se ela só pudesse ferir
Maria, como Ele teria sido cruel em reservar só para ela a ferida! Mas nada
penetra em sua alma que primeiro não tenha penetrado na de Cristo. Foi Sua
vontade o passar pela tragédia a que os maus O submeteram. Também Ela a quis
igualmente e, antes de mais nada, porque era Sua vontade que assim como Ele
devia substituir Adão, Ela devia substituir Eva.
Maria sabia que o Menino que Ela trazia em Seus braços não
tinha ainda levantado a voz contra o mal; no entanto, Ela vê todos os
fanáticos, tiranos, ditadores, comunistas, intolerantes e libertinos
insurgirem-se contra Ele. Para os Seus braços, era Ele mais leve do que uma
pluma, mas, na realidade, pesava mais sobre o coração daqueles que queriam mal
à Sua vida do que o mais pesado dos planetas.
Um bebê odiado!
Era a segunda estocada na Virgem Maria. “Assim como eles me
odiaram, assim vos odiarão”. O ódio dos homens contra Ele, Ela o sentiria como
em Si própria! Mas, do mesmo modo que Ele amava os que O odiavam, também, Ela
os amou. Se fosse necessário, mil vezes Ela fugiria para o Egito, mil vezes
suportaria temores, para impedir que uma só alma cometesse qualquer pecado,
tudo por amor de Seu Filho, por amor de Deus.
Agora que Maria está coroada no Céu, quando Ela nos olha das
alturas, pode ver milhões de homens que continuam a banir o Criador, não só dos
Seus países, mas também dos seus corações. Muitos são os homens que passam a
maior parte do seu tempo, menos a ganhar a sua vida do que a fugir de Deus!
Ele, por Seu lado, não quer atentar contra a sua liberdade.
E eles, por sua vez, não querem optar por Ele. Ora, assim como Maria, por esta
segunda ferida, não ficou querendo mal aos maus que Lhe faziam, assim também
agora, no Céu, a Sua compaixão e o Seu amor pelos pecadores parecem ter
crescido, na medida dos seus pecados. Quanto mais uma alma se une a Jesus, mais
Ela ama os pecadores. Um doente, em seu delírio, pode julgar-se bem; por sua
vez, um pecador pode, na sua cegueira, chegar a supor-se bom. Só os que têm
saúde conhecem verdadeiramente a doença do doente. Só aqueles que não pecaram
conhecem a gravidade do pecado e dele procuram afastar-se.
Jesus e Maria, na Sua fuga para o Egito, experimentaram em
Sua bondade – infinita num, finita noutro – os dois efeitos psíquicos do
pecado: o temor e a fuga. A não ser que seja vencido pelo perdão, o temor
conduz à perseguição doutrem. O desejo de fugir, a não ser que se transforme em
regresso a Deus, faz soçobrar o homem no alcoolismo, no ópio, no hábito dos
excitantes. Devia os psicanalistas saber que esses dois efeitos do pecado são
vencidos, não pela indulgência para com os seus próprios apetites, mas pelo
amor que se sobrepõe ao temor, e pela penitência que impede a fuga. Nosso
Senhor e Sua Mãe sofreram voluntariamente esses efeitos psicológicos, para que
as almas pecadoras se libertassem deles. O verdadeiro “Tratamento de choque”
que os pecadores devem utilizar é simples: consiste em invocar uma Mulher
trazendo um Bebê em Seus braços. Ela os levará consigo para o Egito, a comer o
pão da tribulação e da penitência. Quando o coração do homem não se sente como
que em sua casa em Nazaré, quando ele deserta da realidade, pode ainda esperar,
porque a Madona e o Seu Divino Menino o encontrarão, mesmo na fuga desvairada
para os desertos do Egito e do Mundo.
Terceira Dor: Perda e Reencontro do Menino Jesus
Encontro de Jesus no Templo
Mas se é certo que o Céu também pode jogar às escondidas, o
outro gume da espada era, para Maria, a dor de ter perdido Seu Filho e
procurá-lO. Era Seu – e por isso que Ela O procurava. Ele ocupava-Se da
Redenção, e é por isso que Ele A deixava, e ia ao Templo. Não ia nisso apenas
uma perda física, mas também uma provação espiritual.
“Ficou o Menino Jesus em Jerusalém sem que Seus Pais O
advertissem” (Lc 2,43)
Nosso Senhor disse:
“Para que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas
coisas de meu Pai? E eles não entenderam o que lhes disse” (Lc 2, 49-50).
Mas tarde um outro período de três dias se devia registrar,
durante o qual o Corpo de Jesus repousaria num túmulo. Esta primeira perda era
um prelúdio da segunda, como que a sombra dos três anos de separação que foram
a Sua vida pública – em relação à Virgem.
Alguma coisa era agora oculta a Maria, no sentido de que a
não compreendia. Não se tratava de uma simples ignorância negativa, mas de uma
privação, um propósito deliberado de Seu Filho em Lhe ocultar a plenitude dos
Seus desejos. No Egito, teve Ela “a sombria noite” do corpo; era preciso que
tivesse a “sombria noite” da alma, em Jerusalém. A noite espiritual e a
desolação da alma andaram sempre juntas nas provações enviadas por Deus aos
místicos.
A princípio, é o Seu corpo e o Seu sangue que são ocultos a
Maria; agora é a Luz e a Verdade. Se a segunda ferida faz d’Ela a companheira
de todos os refugiados errando pelas entradas do Mundo, esta terceira ferida
iria levantá-La à companhia dos santos. A sombra da Cruz começava a projetar-se
na Sua alma! Não é apenas o Seu Corpo virginal que devia pagar caro o
privilégio da Sua Imaculada Conceição; também a Sua alma sofreria para vir a
ser a “Sede da Sabedoria”.
A espada de dois gumes atinge as duas almas, no doce bater
de um mesmo ritmo. Certo dia, no Gólgota, chamando Cristo a Si os pecados dos
homens, sentirá o pessimismo do ateu, o desespero do pecador, a solidão do
egoísta, e reunirá todas as dores do isolamento, num grande grito:
“Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”
Também Maria deve experimentar essa solidão e abandono – não
apenas na perda física de Cristo, mas ainda na obnubilação de todas as
consolações. Assim como, na Cruz, Ele privará a Sua natureza humana de toda a
alegria que Lhe podia vir da Sua divindade, assim também privará Sua Mãe de
todas as alegrias relativas às coisas de Seu Pai. Se o gume da espada,
reservado a Cristo, era o abandono, o d’Ela era a noite.
Diz o Evangelho que caiu a noite sobre a Terra, quando Ele,
na Cruz, ergueu às alturas o Seu grito supremo; agora, é a noite que invade o
espírito de Maria, porque o Seu Próprio Filho quis esse eclipse do Sol. É quase
uma pergunta que Ele Lhe faz, ao dizer-Lhe:
“Por que me buscáveis?” (São Lucas, 2,49)
Suspenso, mais tarde, na Cruz, entre a Terra e o Céu, devia
Jesus sentir-Se abandonado por Deus e repelido pelos homens. Assim, Maria, por
uma só palavra da Divina Espada, é abandonada por Aquele que é, ao mesmo tempo,
Deus e Homem.
A sombria noite dos santos não é igual à noite dos
pecadores. Nos primeiros, não há luz, mas há amor. É muito provável que essa
noite mística, que a espada fazia então entrar na alma de Maria, desse lugar,
n’Ela, a atos de tal modo heroicos de amor que eles A elevaram a novos labores,
nunca anteriormente entrevistos.
Pode a luz ser, por vezes, tão brilhante que nos cegue. A
incompreensão de Maria, ouvindo a palavra de Jesus, era menos devida a uma
falta de clareza do que a um excesso de luz.
A razão humana, chegada a certo ponto, nem sempre pode
descrever o que se passa no coração. O próprio amor humano, nos seus mais altos
momentos de êxtase, não se pode exprimir com palavras. A razão pode compreender
palavras, mas não o Verbo.
Ora, diz-nos o Evangelho que aquilo que Maria não
compreendia era o que dizia o Verbo. Como é difícil de compreender a palavra,
quando ela se divide em palavras! Maria não compreendia por que é que o Verbo A
elevava acima do abismo da razão e A arrastava por sobre esse outro abismo
incomensurável que é o Espírito de Deus.
A uma tal distância, a Sabedoria Divina, na sua expressão
humana, pode dizer o Seu segredo, do mesmo modo que São Paulo não podia contar
a sua visão do terceiro Céu. As palavras eram incapazes de exprimir
inteiramente, por si, a significação do Verbo.
Para provar que essa noite não era de ignorância, acrescenta
o Evangelho:
“E Sua Mãe conservava todas estas coisas no Seu coração”
(Lc, 2, 51).
A Sua alma guardaria a Palavra, e o Seu coração as palavras.
Ele que, por Suas palavras, parecia renegá-La, une-A, agora, a Si Próprio, não
apenas por ter depositado o mel da Sua mensagem na colmeia do Coração d’Ela,
mas também porque volta a Nazaré com Ela, submetendo-se-Lhe.
Cristo não se serve de instrumentos humanos, como Simeão ou
Herodes, para brandir a Espada Divina sobre Sua Mãe. Aos doze anos, tem força
bastante para utilizá-la Ele mesmo. Nessa dor, ambas as Naturezas d’Ele se
fixam sobre Ela para fazer d’Ela a co-Redentora: a Sua natureza humana na perda
física, a Sua natureza divina na noite sombria da alma.
Na Anunciação, Ela perguntara ao Anjo:
“Como pode isso ser, se não conheço varão?”
Hoje, dirige-Se ao Próprio Homem-Deus, chamando-Lhe “Filho”
e pedindo-Lhe que Se explique, que justifique o que fez. Maria tem consciência
de ser Mãe de Deus. Onde quer que haja santidade há familiaridade com Deus. E
essa familiaridade é maior ainda na dor do que na alegria.
Certos, santos, favorecidos com revelações de Nosso Senhor,
declaravam que essa dor de Maria custou a Jesus extraordinários sofrimentos.
Ali, como sempre, trespassou Ele, o Seu Próprio coração, antes de trespassar o
de Sua Mãe, como o propósito de ser o primeiro a conhecer essa provação. A dor,
que mais tarde iria sofrer, de abandonar Sua Mãe, depois das três horas de
agonia na Cruz, era então antecipada por esses três dias de separação.
Aqueles que pecam sem fé não podem sentir a angústia dos que
pecam com fé. Possuir a Deus, ocultar-Se daqueles que estavam no propósito de
jamais abandona-lO, tal foi a ferida de Jesus, causada pela mesma espada. Ambos
sentiram os efeitos do pecado, de maneira diferente, mas em igual noite de
alma: ela por O ter perdido; Ele por se ter perdido. Se a dor de Maria foi um
inferno, a agonia de Lha infligir era a dor de Jesus.
A Santíssima Virgem tornou-se o Refúgio dos pecadores por
ter aprendido o que é perder Deus e tornar a encontrá-Lo. Cristo tornou-se o
Redentor dos pecadores por ter conhecido a malícia, a vontade deliberada
daqueles que ferem os seres a quem amam! Sentiu o que pode sentir a criatura,
ao perder a criatura. Maria perdeu Jesus na noite mística da alma, e não na
noite moral de um mau coração. A Sua perda era a ocultação da face d’Ele.
Ela não Lhe fugia. Mas mostra-nos Ela que, quando perdemos a
Deus, não devemos limitar-nos a esperar que Ele volte. Devemos ir procurá-lO, e
é Ela que, para alegria da nossa alma, sabe onde O podemos encontrar!
Quarta Dor: Encontro de Nossa Senhora com seu Filho
carregando a Cruz
Encontro de Maria com seu Filho carregando a Cruz
Passaram três anos de ensino público, durante os quais
ouvimos falar de Maria uma vez só. Agora a espada vai penetrar mais fundo.
Jesus fá-la entrar na Sua alma: aparece em Cruz, nos Seus ombros. Fá-la
penetrar na alma de Sua Mãe, e é Cruz sobre o coração d’Ela.
“Jesus levando a Cruz, encontra Sua Mãe.”
Simeão predissera que Ele seria um sinal de contradição. Vê
Ela agora que esse sinal de contradição era a Cruz. Sinal precursor de tudo que
Ela poderia temer de horrível. Dois ramos de árvore cruzados em ângulo reto,
faziam-Na pensar no dia em que uma outra árvore se levantaria contra o Seu
Criador transformada em Seu leito de morte.
Pregos no soalho da oficina dum carpinteiro, um rapaz
estendendo os braços – a formarem, com o corpo, uma cruz – depois de um dia de
trabalho, ao sol-posto…, eram outros tantos sinais que, por antecipação, Lhe
faziam imaginar a terrível hora que havia de chegar.
Por mais que imaginemos ver um inocente sofrer pelo culpado,
a realidade é sempre mais triste do que o fantasiado. Bem se exercitara Maria
para receber esse golpe final, mas tudo Lhe apareceu como se fora inédito, não
preparado. Não há duas dores semelhantes: cada uma tem suas características
próprias. Ainda que seja a mesma espada, a diferença está na profundidade do
golpe; há sempre uma parte que nunca foi tocada.
As feridas, em Maria, Seu Filho Lhas faz. Mas o golpe
vibrado em Si próprio, Ele o faz sempre mais profundo. O gume da espada era,
para Ele, chamar a Si os pecados do homem e levar a Cruz, mas permitir ainda
que Sua Mãe, tão pura, sofresse essa pena com Ele. Longe de ser leve, a Cruz
devia parecer-Lhe mais pesada sobre os Seus ombros, quando Sua Mãe Lha viu
levar.
Mas quantas vezes Nosso Senhor dissera:
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome a
sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24)
Se o levar a própria Cruz era a expressa condição para ser
discípulo de Cristo, então a condição para ser Mãe do Salvador era levar a Cruz
do Salvador, Seu Filho.
Os curiosos, que viam passar Jesus a caminho do Calvário,
podiam vê-Lo levar a Sua Cruz, mas só ela sabia o fardo que Ela conduzia.
O mundo atual, não sofre apenas do temor do mal iminente –
como na profecia de Simeão; do exílio causado pela cólera dum tirano – como na
fuga para o Egito; da solidão e da angústia dos pecadores – como nos três dias
em que Jesus andou perdido. Sofre também o moderno pesadelo do terror.
Inocentes Abéis mortos pelos Caíns soviéticos do Oriente; chineses cristãos que
vivem no temor mortal duma execução; multidões sem número assustadas com
as injustiças praticadas pelos
comunistas – toda essa gente levantaria em vão os olhos para o Céu, se um Homem
e uma mulher não tivessem sentido em Si Próprios a amargura desse terror.
E se apenas o “Homem Inocente” tivesse sentido a violência
desse terror, que diriam as mulheres? Não devia também estar aí presente uma
pessoa do seu sexo, cheia do mesmo terror, de modo a que ela lhes levasse
esperança e consolação?
Se Deus, em Sua carne, não tivesse sofrido com paciência os
julgamentos mais iníquos, teriam os padres chineses tido, em nossos dias, a
coragem de marchar segundo o Seu rastro?
Se uma mulher, de pé, diante da multidão furiosa e sedenta
de sangue, não tivesse partilhado dos nossos sustos, se os não tivesse feito
Seus, poderia a humanidade dizer que era fácil a um Homem-Deus suportar todo o
medo e todo o temor, porque Ele é Deus, ao passo que um homem é simplesmente um
homem… É por isso que Nosso Senhor deve ser novamente a Espada, nesta quarta e
dolorosa ferida.
Desta vez, nem uma só palavra foi proferida, porque o terror
fez calar a voz. A espada de Cristo mergulhou no Seu Próprio Coração, fez-Lhe
verter gotas de sangue que caem, como as contas dum rosário – o Rosário da
Redenção – ao longo do caminho, a partir de Jerusalém.
Mas a arma que Ele mergulhou na alma de Maria identificou-A
aos Seus sofrimentos redentores, forçou-A a marchar por esse mesmo caminho,
impregnado do sangue de seu Filho. As Suas feridas sangraram. As d’Ele, mas não
as de Maria.
Quando as mães veem seus filhos sofrer, gostariam que fosse
o seu próprio sangue a ser derramado em vez dos deles. Ora, para Jesus, era bem
o sangue de Sua Mãe que Ele derramava. Cada gota desse sangue, cada parcela
desse corpo, só Ela Lhas deu, porque Ele não tinha pai humano. De maneira que
era sempre sobre o Seu Próprio sangue que Ela caminhava.
Por virtude dessa dor atroz, uma suprema compaixão entrou no
coração de Maria – compaixão por todos aqueles que vivem amarfanhados pelo
terror. Os santos são a indulgência em pessoa para com o seu próximo, que está
longe de lhes pagar em igual moeda. Aqueles que levam uma vida fácil,
despreocupada, jamais podem falar a língua dos que vivem no terror. De tal modo
estão acima destes infelizes, que nem mesmo os podem ver, ou, se tal acontece,
é como condescendência, não com compaixão. Maria, pelo contrário, intromete-se
na poeira das nossas vidas humanas, nos medos, nas falsas acusações, nas
questões infamantes, em todos os instrumentos de tortura.
A Imaculada misturou-se com a lama, e para com os criminosos
não tem nem azedume, nem rancor, mas apenas uma grande piedade, por ver que
eles não sabem, não compreendem quanto os ama esse Amor que eles atiram para a
morte.
Pela Sua pureza, Maria está no alto da montanha; pela Sua
compaixão, está no meio das maldições dos condenados à morte, dos carcereiros,
dos carrascos, do sangue. Um criminoso, no desespero da sua falta, pode não
encontrar o seu caminho para Deus, para Lhe pedir perdão, mas não pode
recusar-se a invocar a intercessão da Mãe de Deus, que viu outros criminosos
como ele, e para os quais pediu o perdão.
Se uma Mãe absolutamente santa, como Maria, que merecia que
A poupassem a todo o mal, pode, pela providência de seu Filho, levar uma cruz,
como é que nós – que tão longe nos encontramos da Sua pureza – poderemos
escapar às nossas?
“Que fiz eu para merecer isto?” – Grito de orgulho.
Que fizera Jesus?
Que fizera Maria?
Não lamentemos que
Deus nos tenha enviado uma cruz, Consideremos que Maria lá está no Seu lugar,
para no-la tornar mais leve, mais doce, fazendo-a Sua.
Quinta Dor: Morte de Jesus
Crucificação
“O Coração de Jesus e o Coração de Maria formaram um só no
Monte do Calvário,
pela submissão à vontade do Pai.
Cada um tem a sua cruz no mundo, mas não há duas cruzes que
sejam idênticas.
A de Nosso Senhor era a Cruz da Redenção para os pecados do
Mundo;
a de Nossa Senhora foi uma vida inteira de união com a
Cruz.”
A Cruz não une apenas os amigos de Nosso Senhor, mas também
os Seus inimigos. Só os medíocres lhe escapam. Nosso Senhor era perfeitíssimo;
perturbava as consciências, portanto devia morrer.
Os ladrões eram a maldade em pessoa; perturbavam a falsa
segurança dos proprietários; deviam morrer. O Próprio Cristo anunciara que
seria tirado da Terra, tal como a serpente de bronze de Moisés. Assim como os
Israelitas, mordidos por serpentes venenosas eram curados pela simples vista
desta – sem veneno -, assim também Cristo tomou a forma do homem – mas sem o
veneno do pecado; e todos os que para Ele levantem os olhos serão curados do
pecado que vem da serpente, como quem diz, do demônio.
Ninguém olha de mais perto a Cruz do que Maria. Nosso Senhor
mergulhou a espada no Seu Próprio coração, porque ninguém Lhe tomou a vida:
“Eu dou a minha vida…”
De pé, como se fora um Padre, acabrunhado como se fosse uma
Vítima, entregou-Se à iniquidade do homem, de maneira a quem o homem pudesse
fazer-Lhe todo o mal possível.
O pior que um homem pode fazer é matar Deus. Permitindo ao
homem que chamasse contra Ele os Seus mais mortíferos meios, e impondo-lhe, em
seguida, uma completa derrota pela Sua Ressurreição dentre os mortos, Cristo
provou que o mal nunca sairia vitorioso.
Foi na medida em que ela tinha preparado o Padre para ser a
Vítima, que a espada penetrou na alma de Maria, por ocasião da quinta ferida. A
Sua cooperação foi tão real, tão ativa, que Ela se teve de pé, junto da Cruz.
Todos os quadros que representam a Crucificação nos mostram sempre Maria
Madalena prostrada aos pés do Salvador. Mas a Santíssima Virgem é figurada de
pé. João, que também lá estava, tão impressionado ficou de vê-lA de pé, durante
essas três horas, que assim o escreveu no seu Evangelho.
O paraíso terrestre foi desmoronado. Três fatos concorreram
para a nossa queda: um homem desobediente, Adão; uma mulher orgulhosa, Eva; e
uma árvore. Deus toma esses três elementos que levaram o homem à derrota, e
deles se serve como instrumentos de vitória: o novo Adão obediente, Cristo; a
mulher humilde, Maria; e a árvore da Cruz.
Demoremo-nos na quinta dor, para considerar a seguinte
particularidade: Nosso Senhor pronunciou, sobre a Cruz, sete palavras que foram
como que as sete notas de um hino fúnebre. Por outro lado, só sete palavras de
Maria o Evangelho referiu. Não quer isto dizer que Ela só tivesse falado sete
vezes, mas que apenas sete vezes se Lhe fez menção. A propósito de cada uma das
palavras de Jesus moribundo, o coração de Maria levava-A a recordar as palavras
que Ela própria pronunciara, e a Sua dor ganha intensidade na medida em que Ela
vê aprofundar-se o mistério d’Aquele que devia ser “um objeto de contradição”.
Primeira
A primeira expressão de Nosso Senhor na Cruz foi esta:
“Perdoai-lhes, Pai porque eles não sabem o que fazem”
Não é a sabedoria do Mundo que salva, mas a ignorância. Se
os carrascos soubessem o que de horrível faziam, quando repeliam o Filho do
homem; se, sabendo que Ele era o Filho de Deus, tivessem continuado
deliberadamente a provocar-Lhe a morte, então não haveria esperança de os
pecadores se salvarem. Foi por virtude da ignorância da blasfêmia que
praticavam que eles foram chamados a ouvir cair sobre si às palavras de perdão,
e a obtê-lo.
Esta primeira expressão lembra a Maria a Sua. Também Ela
dizia respeito à ignorância. Quando o Anjo Lhe anunciou que ia ser Mãe do Filho
de Deus, perguntara:
“Como pode ser isso, se não conheci varão?”
Ignorância, aqui, significava inocência, virtude,
virgindade. Ignorância que se confessa não é ignorância da verdade, mas
ignorância do mal.
Jesus perdoa aos pecadores que são ignorantes, mas não os
anjos rebeldes que sabiam o que faziam e que, por consequência, se tinham
colocado fora da Redenção. Maria é bendita, porque era ignorante do homem,
devido ao Seu voto de virgindade.
As duas expressões unem-se aqui numa só dor para Jesus e
para Maria: a dor de ver que os homens não possuem a verdadeira sabedoria,
aquela que só às crianças é dada: eles ignoram que só Cristo os pode salvar.
Segunda
A segunda expressão de Cristo foi dirigida ao ladrão
arrependido. Este começou por blasfemar contra Ele, mas, ao ouvir as palavras
de perdão, ao ver a beleza de Sua Mãe, corresponde à graça; considera o seu
castigo como “uma recompensa dos seus crimes”. A vista do Homem na Cruz
central, obedecendo à vontade de Seu Pai, leva-o a aceitar a sua própria cruz,
como provinha da vontade de Deus. E então lança ele um supremo apelo ao perdão,
e Cristo lhe responde:
“Hoje estarás comigo no Paraíso”.
Esta magnífica aceitação dos seus sofrimentos, por parte do
ladrão, para expiar as suas faltas, faz que Maria se lembre da outra palavra do
Anjo. Quando este Lhe disse que Ela ia ser Mãe d’Aquele a quem Isaías descreveu
como o homem batido e afligido por Deus, proferiu-A a Sua segunda palavra:
Fiat.
“Faça-se em mim a Tua palavra”
Não há nada no Universo que mais importância tenha do que
fazer a vontade de Deus, ainda que isso leve ao ladrão um suplício, e uma dor
Àquela que se tem de pé junto da Cruz.
O Fiat de Maria foi uma dos grandes Fiats do Mundo: um fez a
luz, o outro aceitou a vontade do Pai, no Jardim das Oliveiras. Quanto ao de
Maria, traduz-se na aceitação de uma outra vida, em que Ela se esquecerá de Si
própria, para ser a companheira da Cruz.
O Coração de Jesus e o Coração de Maria formaram um só no
Monte do Calvário, pela submissão à vontade do Pai. Cada um tem a sua cruz no
mundo, mas não há duas cruzes que sejam idênticas. A de Nosso Senhor era a Cruz
da Redenção para os pecados do Mundo; a de Nossa Senhora foi uma vida inteira
de união com a Cruz.
Quanto à do ladrão, consistiu em suportar a agonia na cruz,
como prelúdio de uma coroa. Uma vez que a nossa liberdade é a única coisa que
possuímos como própria, constitui a mais perfeita oferenda que a Deus podemos
fazer.
Terceira
A primeira palavra de Nosso Senhor era para os seus
carrascos; a segunda para os pecadores; a terceira foi dirigida a Sua Mãe e a
São João. Palavra de saudação e, no entanto, mercê dessa palavra, todas as
relações humanas foram modificadas. Jesus chama a Sua Mãe “Mulher”, e a João
“Filho”.
– “Mulher, eis ai o teu Filho.”
– “Filho, eis aí a tua Mãe.”
É a ordem dada a todos os que quererão segui-lO, para que
vejam em Sua Mãe a própria Mãe deles. Tudo o mais Ele o dera. Ia agora dar-Se
também. Mas, naturalmente, voltaria a encontrá-La, como Mãe do Seu Corpo
Místico.
A terceira expressão de Maria foi também uma saudação. Não
sabemos com rigor quais as palavras que empregou, mas sabemos que ia visitar e
cumprimentar sua prima Isabel. Nesta cena evangélica, havia também um João –
João Batista – que proclamava Maria como Sua Mãe. Isabel, sentindo seu filho
agitar-se de alegria em seu próprio ventre, fala, por sua vez, e dirige-se a
Maria como “Mãe de Deus”. Dois meninos estabelecem relações ainda mesmo antes
de nascerem!
Quando Jesus, na Cruz, proferia a Sua terceira expressão,
pensava Maria na sua. Na Visitação, era portadora da influência de Cristo,
antes mesmo de Ele ter nascido, por, no Calvário, estar destinada a ser Mãe de
todos aqueles que quisessem renascer.
O nascimento de Jesus nenhuma dor Lhe causou. Mas o de João
e de milhões de entre nós, ao pé da Cruz, tal agonia Lhe levaram, que Ela bem
mereceu o título de Rainha dos Mártires. Jesus sacrificou-nos Sua Mãe, para
d’Ela fazer nossa Mãe. Maria sacrificou o Seu Divino Filho, para de nós fazer
Seus filhos. Triste troca! Mas Ela estava convencida de que valia bem a pena.
Quarta
A quarta palavra da Santíssima Virgem foi o Seu Magnificat;
a quarta expressão de Nosso Senhor é tirada do salmo vinte e um, que começa com
este desabafo de tristeza: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” – mas
que, todavia, termina quase como o canto de Maria: “Os pobres começarão e
ficarão saciados; os extremos da Terra se lembrarão do Senhor e a Ele
adorarão.”
Os dois cânticos elevam-se, sem que seja dado nenhum sinal
de segura vitória.
Como é fraca, quando a consideramos apenas pelo lado humano,
essa Mulher mergulha os Seus olhares até ao fim dos tempos e que profetiza:
“todas as gerações me chamarão bem-aventurada!” E como, pelo lado humano, se
nos afigura sem esperança o desejo d’Aquele que ao mundo veio para se apoderar
da Terra e que, repelido agora por ela, chama por Seu Pai!
Mas, para Jesus e para Maria, há tesouros na noite: para
Maria, na noite duma Mulher; para Jesus, na noite do Gólgota.
Só aqueles que marcham na noite veem as estrelas.
Quinta
A quinta expressão de Maria foi proferida quando Ela
interroga Jesus:
“Meu Filho! Por que procedeste assim conosco? Vosso pai e eu
Te procurávamos aflitos.”
É essa a expressão de todas as criaturas à procura de Deus.
A quinta expressão de Nosso Senhor é a do Criador à procura do homem: “Tenho
sede”. Não é a sede das águas da Terra, mas das almas.
As palavras de Maria resumem as aspirações de todas as almas
em relação a Cristo, e as palavras de Cristo consubstanciam o Seu amor por cada
uma das almas que Ele criou. Ora, no mundo, só existe uma coisa capaz de
impedir esse encontro: é a vontade do homem. Para encontrar Deus, é preciso
querer. Do contrário, Ele parecerá sempre que é um Deus que Se esconde.
Sexta
A sexta expressão de Maria tinha sido uma simples prece:
“Eles não têm vinho”: palavras que apressaram Nosso Senhor a realizar o Seu
primeiro milagre e a meter-Se no caminho real do Calvário. Depois de Nosso
Senhor ter saboreado, na Cruz, o vinho que Lhe foi dado por um soldado, disse
Ele: “Tudo está consumado.” Essa “Hora”, que Maria tinha, por assim dizer,
começado, quando Cristo transmutou a água em vinho, está agora terminada: o
vinho da
Sua vida
transformou-se em Sangue: o Sangue do Seu Sacrifício. Em Cana, Maria mandava
Seu Filho para a Cruz; no Calvário, Cristo declara que terminou o Seu trabalho
de Redenção.
O Coração Imaculado de Maria era o altar vivo sobre o qual o
Sagrado Coração de Jesus se oferecia em Sacrifício, e Maria não ignorava que, a
partir desse momento, os homens só seriam salvos pela oferenda do Filho de
Deus.
Sétima
As últimas palavras de Maria, referidas pelo Evangelho, são
as de abandono completo à vontade de Deus:
“Fazei tudo o que Ele vos disser” (Jo 11-5)
Na Transfiguração, o Pai Celeste fala assim:
“Eis o meu Filho bem-amado, escutai-O”.
E Maria lança este supremo apelo: “Fazei a Sua Vontade.” As
últimas palavras de Jesus, na Cruz, foram aquelas pelas quais Ele abandonou a
Sua vida à vontade de Deus:
“Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito.”
Maria abandonou-Se a Jesus, e Jesus abandonou-Se a Seu Pai.
Fazer a vontade de Deus, até a morte, tal o segredo de toda a santidade.
E aqui Jesus nos ensina a morrer, porque se Ele quis ter Sua
Mãe junto de Si, na suprema hora do Seu grande abandono, como nos atreveríamos
nós a deixar de dizer, diariamente:
“Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte.
Amém”!
Sexta Dor: A Lançada e a Descida da Cruz
Lançada e a Descida de Jesus da Cruz, sexta dor e Maria
“Eis que descem o Salvador da Cruz em que morrera!
Ó Virgem sacrossanta, destes com tanto amor Vosso Filho ao
Mundo,
e vede como ele vo-lo entrega!” (Santo Afonso Maria de
Ligório)
Nosso Senhor curva a cabeça e morre. Os planetas,
descrevendo no espaço um imenso círculo, voltam, ao fim de certo tempo, ao
ponto de partida, como que para saudarem Aquele que os lançou na rota do Céu.
Ele, que veio do Pai, volta a Seu Pai, proferindo estas últimas palavras:
“Pai, nas vossas mãos encomendo o meu espírito.”
Foi preciso proceder a um duplo inquérito, para se ter
certeza de que Ele estava bem morto.
Um sargento do exército romano mergulha a sua lança num dos
flancos de Jesus. Ele, que tantos testemunhos de amor acumulou em Seu Coração,
de súbito os derrama nesta água e neste sangue: a água, símbolo da nossa
regeneração; o sangue, preço da nossa redenção.
Cristo, Espada com que Ele próprio se mata, continua a
ferir, mesmo depois da Sua morte. É ela que abre os tesouros que se transforma
na nova Arca, onde podem entrar as almas que querem ser salvas do dilúvio do
pecado.
Mas, depois de ter aberto os tesouros do Seu Coração, a
Espada penetra em Maria. Simeão predissera que uma espada trespassaria a Sua
alma; desta vez, ela lhe veio do flanco entreaberto de Seu Filho.
Literalmente para Jesus, metaforicamente para Maria, foi o
trespassamento de dois corações com uma só lança. É esta simultaneidade das
feridas, esta transfixão simultânea do Coração de Jesus e da alma de Maria, que
nos une na adoração do Sagrado Coração de Jesus e na veneração do Imaculado
Coração de Maria.
Nunca nos sentimos
tão unidos na alegria como o somos na dor. Os prazeres da carne podem unir, mas
neles se encontra sempre uma parte de egoísmo, porque o ego se transpõe no ego
doutra pessoa, onde encontra a sua própria alegria. Mas, nas lágrimas e nas
dores, o egocentrismo não existe: para outrem, só queremos bem.
Nesta sucessão de feridas, Jesus sofre por Sua Mãe que tanto
deve sofrer por Ele, e Maria sofre por Seu Filho, pouco cuidando do que Lhe
possa acontecer a Ela própria.
Quantas mais consolações tiramos das criaturas, menos
recebemos de Deus. Poucos são os que podem consolar. De fato, só podem
realmente consolar aqueles que nos deixaram.
Nenhum ser humano pode consolar Maria na Sua solidão; apenas
Seu Filho o pode fazer. A fim de que as mães que perderam seus filhos nos
campos de batalha e as esposas que perderam seus esposos no meio das alegrias
de seu amor não fiquem sem consolação, fez Nosso Senhor de Maria a Sua
consolação e Seu modelo, e tornou-se n’Aquele que é chorado.
Ninguém jamais poderá dizer:
“Deus não sabe o que a gente sofre junto de um leito de
morte; não conhece o amargor das minhas lágrimas.”
Esta sexta dor ensina-nos, pelo contrário, que, em tal
provação, só Deus nos pode consolar.
Depois da rebelião contra Deus no paraíso terrestre, pelo
abuso que o homem fez da sua liberdade, aconteceu que, um dia, Adão tropeçou no
corpo de seu filho Abel. Trazendo-o a Eva, estende-o sobre os seus joelhos.
Então, Eva falou a Abel – mas este não respondeu. Nunca eles o tinham visto
assim. Levantaram-lhe os braços, mas estes novamente caíram. Então se
recordaram do que lhes fora anunciado:
“No dia em que comeres o fruto da árvore, morrerás”.
Era a primeira morte do Mundo.
Retornou o ciclo do tempo. O novo Abel, assassinado pela
raça invejosa de Caim, desceu da Cruz e foi colocado sobre os joelhos da nova
Eva, Maria. Para a mãe, o filho nunca cresce, é sempre pequenino que ela o vê.
Maria deve ter pensado que Belém voltara: o Seu Menino tornara a sentar-Se nos
Seus joelhos.
E um outro José ali estava; José de Arimatéia. Havia também
a mirra e os perfumes para a sepultura, tudo coisas que Lhe recordavam os
presentes dos Magos… Que presságio de morte não fora a mirra dos sábios do
Oriente! Mal um menino nascera e já o Mundo pensa na morte desse menino – e,
aliás, com justiça, por Ele ser o único homem vindo ao Mundo, para neste
morrer. Cada um de nós vem ao Mundo, para viver. Para Ele, a morte era a
finalidade da Sua vida, era o fim que Ele queria alcançar.
Ai de nós!
Maria, aqui não é Belém: aqui é o Calvário. O Seu Corpo não
é branco, como se viesse de Seu Pai, mas tinto de sangue, como se de nós
saísse. Em Seu berço, era um cálice de oferenda, cheio de rubro sangue da vida.
Agora, junto da Cruz, o Seu Corpo é um cálice vazio – vazio de todas as gotas
de sangue que Ele verteu para a Redenção da Humanidade.
No estábulo não havia lugar para Ele. Morto, também não
tinha onde repousar a Sua cabeça – a não ser nos braços de Sua Mãe.
Quando Nosso Senhor contava as Suas parábolas de
misericórdia e principalmente a do Filho Pródigo, só ouvíamos falar do bom pai
do filho pródigo. Porque será que o Evangelho guardou silêncio a respeito da
mãe do Filho Pródigo?
Creio que a resposta está na dor de Maria.
Cristo é o verdadeiro Filho Pródigo.
Maria é a Mãe do Divino Pródigo que deixou a casa celeste de
Seu Pai, para peregrinar em terra estrangeira- esta nossa Terra. Ele “dissipou
os Seus bens”, deu o Seu Corpo e o Seu sangue, a fim de podermos recobrar a
nossa herança do Céu.
E, agora, caído entre os cidadãos dum país rebelde às
vontades de Seu Pai, misturou-Se com as varas de porcos que são os pecadores.
Depois, prepara-Se para voltar à casa de Seu Pai.
No caminho do Calvário, a Mãe do Filho Pródigo encontra-O.
Neste instante, transforma-Se Ela na Mãe de todos os filhos pródigos do Mundo,
preparando-os – pelos misteriosos unguentos da Sua intercessão – para o dia tão
longínquo, em que a vida e a ressurreição correrão nas suas veias, quando eles
avançarem nas asas da manhã.
Sétima Dor: Sepultura de Jesus
Sepultamento de Jesus, sétima dor de Maria
Aquele que tive nove meses no seio,
eu te bendigo e invejo.
Deixo-te guardando este meu Filho
Que é todo o meu bem,
Todo o meu amor”.
(Boaventura Baduário – retirado do livro: Glórias de Maria –
Santo Afonso Maria de Ligório)
Depois da Ressurreição, não é lícito falar de outras dores,
por a morte ter sido vencida. Todavia, até ao dia em que não foram vencidos os
laços da morte, existia ainda um grande sofrimento que Jesus quisera e que
Maria devia aceitar, de maneira a que os que maltratassem as criaturas do Seu
amor não ficassem sem esperança e sem consolação.
Também Nosso Senhor mergulha essa espada em Seu próprio
Coração, por querer que homem nenhum sofresse castigo (devido ao seu pecado)
que Ele próprio não sofresse. Assim como Jonas esteve três dias no ventre do
peixe, assim Ele quis que O deixassem três dias no ventre da Terra.
O Credo dos Apóstolos diz bem, ao afirmar que Ele esteve
sepultado.
Nosso Senhor não trespassou a Sua alma com o castigo da
sepultura sem, ao mesmo tempo, ter trespassado, com essa dor, o coração de
Maria. Quando isso aconteceu, a Terra estava coberta de trevas, sobre um crime
de deicídio. A Terra tremeu… nesse cataclismo da natureza, Maria prepara para a
sepultura o corpo do Seu Divino Filho.
O paraíso terrestre volta de novo, no momento em que Maria
planta na Terra a Árvore da Vida, que florirá durante três dias. As dores de
todos aqueles que perderam os seus, e que tão custosas são de suportar pelos
corações humanos, caíam, com todo o seu peso, sobre a alma de Maria.
O mais que um mortal pode ter perdido é uma criatura: Maria,
porém, sepultava o Filho de Deus!
É doloroso perder um filho, mas mais doloroso ainda é
sepultar a Cristo.
É trágico ficar-se órfão de mãe, mas perder Cristo é o
Inferno.
Não é em escravidão – por mais suave que esta seja – que se
encontram dois corações que verdadeiramente se amam, mas numa intimidade que
desses dois corações faz um só. Quando a morte chega, não se dá a separação de
dois corações; o que, então, se abandona é um coração único.
Tudo isto era particularmente verdadeiro, em relação a Jesus
e Maria. Assim como Adão e Eva tinham cedido ao prazer de comerem o fruto
proibido, assim também Jesus e Maria se uniram no prazer de comerem o fruto da
Vontade do Pai.
Em tais momentos, não há solidão – mas uma grande desolação.
Não a desolação exterior, como a dos três dias em que o Menino Jesus se
considerava perdido para os Seus pais, mas a desolação interior, profunda, ao
ponto de ultrapassar as lágrimas.
Certas alegrias são tão intensas que podem nem mesmo
provocar um sorriso. Analogamente, certas dores são tais que não fazem correr
uma só lágrima. A dor de Maria, no enterramento de Nosso Senhor, foi,
porventura, dessa espécie.
Se Lhe tivesse sido possível chorar, talvez experimentasse
alívio. Mas as Suas lágrimas eram de sangue, no jardim oculto do Seu Coração.
Desolação nenhuma se poderia comparar à Sua.
A Divina espada não poderia trazer novas dores, nem para
Jesus, nem para Maria. Mergulhara em Seus corações, até aos copos, até onde já
não são possíveis as consolações do corpo. Para as outras dores, havia a
consolação da presença. Agora, nem mesmo essa. O Calvário estava mergulhado no
lúgubre silêncio de uma igreja, em Sexta-feira Santa, quando o Santíssimo
Sacramento dela é retirado.
Dentro de pouco tempo, será arrancada a Espada porque a Ressurreição cura as feridas. No dia da Páscoa, o Salvador exibirá as cicatrizes da Sua Paixão, de modo a provar que o amor é mais forte que a morte. (Retiradas do livro: O primeiro amor do mundo, editora educação nacional – Porto, tradução de Cruz Malpique, Professor do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto, 2ª Edição, 1955, Páginas 314 a 345).