Já no primeiro instante de
sua concepção, Maria Santíssima foi enriquecida com uma plenitude
de graças superior à de todos os Anjos e Santos reunidos.
por Diác. Felipe García López
Ria, EP
Luz tênue, igreja
praticamente vazia, pouco ruído. É fim de tarde na cidade de
Granada. Num confessionário, um sacerdote reza seu Breviário,
enquanto permanece à disposição de qualquer fiel desejoso de
purificar sua alma. UmImaculada Conceição por Bartolomé Esteban
Murillo - Museu do Prado - Madri.jpgjovenzinho se aproxima e
ajoelha-se frente a frente com o ministro de Deus, como acontece
normalmente com esse povo categórico. Sem dúvida alguma, ele queria
confessar-se.
- Ave Maria puríssima! -
disse o padre, segundo o costume ali vigente.
- Sem pecado concebida! -
respondeu sem hesitar o penitente, tal como fazia desde sua infância.
Entretanto, o confessor o corrigiu, com a característica ênfase
ibérica:
- Não! Deves responder-me:
"Em graça concebida!".
Esse pequeno episódio revela
uma importante verdade teológica, e a frase do sacerdote encerra um
belo louvor à Mãe de Deus.
A maior plenitude concebível
abaixo de Deus
Voltemos nossa atenção para
um século e meio atrás, aos 8 de dezembro de 1854. Foi nesse dia
que o Beato Pio IX, falando ex cathedra, declarava ter sido a
Bem-Aventurada Virgem Maria "preservada imune de toda mancha do
pecadooriginal" 1 por singular graça e privilégio de Deus.
Proclamava assim, perante o regozijo do orbe cristão, que a doutrina
da Imaculada Conceição "foi revelada por Deus, e por isto deve
ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis".
Sublime prerrogativa esta, a
de ser preservada de toda mancha! Contudo, se analisarmos mais
detidamente, veremos que nessas palavras se encerra não só o
aspecto negativo do dogma - ter sido Ela concebida sem pecado - mas
também, necessariamente, o aspecto positivo dessa mesma realidade:
Maria foi concebida em graça e, como afirma o Concílio Vaticano II,
foi "enriquecida, desde o primeiro instante da sua Conceição,
com os esplendores duma santidade singular".3
O Espírito Santo habitou
n'Ela desde o início de sua existência, enchendo-A de seus dons,
virtudes e carismas com tanta abundância, conforme ensina o Beato
Pio IX: "Ela possui tal plenitude de inocência e de santidade
que, depois da de Deus, não se pode conceber outra maior".4
Desde o primeiro instante de
sua Imaculada Conceição
É a essa plenitude de graças
que faz referência o Arcanjo Gabriel na sua saudação: "Ave,
cheia de graça, o Senhor é contigo" (Lc 1, 28).
Enganar-se-ia quem objetasse
que o fato de Maria Santíssima estar repleta de graças não
significa que já o estivesse antes do anúncio do Anjo. Portanto A
imaginasse como uma moça boazinha, com suas falhas e defeitos, que
foi repentinamente tomada pelo Espírito Santo no momento da aparição
de São Gabriel.
Essa hipótese, entretanto,
repugna o nosso senso católico e contradiz os princípios da
Mariologia, pois, conforme explica um renomado teólogo do século
XX, a doutrina de que a graça inicial de Maria Santíssima fosse
superior à de todos os Anjos e Santos reunidos é "completamente
certa em Teologia".
Para explicar essa afirmação,
outro teólogo contemporâneo aduz diversos argumentos, entre os
quais o seguinte: "Como o ser preservada de pecado não é outra
coisa senão possuir a graça santificante desde o princípio da
existência, e como Maria foi preservada de modo singularíssimo do
pecado original, segue-se claramente que desde o princípio esteve
cheia de graça".
Especialmente esclarecedora é
a explicação de São Tomás. Argumenta ele que "quanto mais
próximo está alguém do princípio, seja qual for o gênero, mais
participa de seu efeito".7 Ou seja, assim como quem se coloca
mais perto do fogo mais se aquece, quanto mais uma alma se aproxima
de Deus tanto mais participa de seus dons. E conclui: "Ora, a
Bem-Aventurada Virgem Maria foi a que esteve mais próxima de Cristo
segundo a humanidade, pois foi d'Ela que Cristo recebeu a natureza
humana. Eis por que Ela tinha de obter de Cristo uma plenitude de
graça maior do que as outras pessoas".
É justamente essa proximidade
de Cristo, pela sua predestinação como Mãe de Deus, que explica a
plenitude de graças de Maria Santíssima desde o primeiro instante
de sua Conceição.
Tríplice plenitude de graça
Evidentemente, a plenitude de
graça em Maria não é idêntica à de seu Filho. Em Cristo, Autor
da graça, ela é absoluta; portanto, sem possibilidade de aumento.
Em Nossa Senhora, porém, é relativa e suscetível de crescimento,
na medida em que aumentava a capacidade da sua alma, de algum modo
unida à ordem hipostática. Segundo alguns teólogos, Maria crescia
em graça até durante o sono, pois Ela possuía a ciência infusa, e
esta continua funcionando quando a pessoa adormece.
Na realidade, com base no
Doutor Angélico,10 não deveríamos falar da plenitude de graça de
Maria, mais sim de uma tríplice plenitude vinculada ao privilégio
da maternidade divina: a dispositiva, concedida no instante de sua
concepção, com vistas a torná-La idônea a ser a Mãe de Cristo; a
perfectiva, no momento da Encarnação do Verbo, quando Ela recebeu
um imenso acréscimo de graça santificante; e a final ou
consumativa, ou seja, a que a alma possui na glória celestial.
A morada que Deus preparou
para Si
Dizia o Doutor Melífluo que
De Maria nunquam satis - d'Ela não há o que baste. Pois Deus
depositou na Virgem Maria todas as perfeições que era possível uma
mera criatura ter. Ela transcende todos os Santos, como o Céu
transcende a Terra. Ela é a montanha preferida por Deus, para
habitar no tempo e na eternidade. Em louvor a Ela, canta o Salmista:
"Montes escarpados, por que invejais a montanha que Deus
escolheu para morar, para nela estabelecer uma habitação eterna?"
(Sl 67, 17).
Quão bela, santa e perfeita
morada preparou Cristo Senhor para Si! Quão sublime e magnífica a
Mãe que Ele deu para nós! (Revista Arautos do Evangelho,
Julho/2014,. 151, p. 36-37)