Em 1915, um ano após o início
da primeira guerra mundial, enquanto os combates se atolam nas
trincheiras…todas as famílias de França sabem que uma visita de
oficiais do estado civil num lar significa o anúncio de uma morte a
frente de batalha. Assim, quando a 29 de julho de 1915, a Senhora de
Guigné vê o presidente da câmara de Annecy-le-Vieux chegar à
porta da sua residência, ela percebe que o seu marido, ferido já em
três ocasiões, não regressará mais. “Ana, se me queres
consolar, tens de ser boazinha”, diz a mãe à sua filha de
tão-somente quatro anos de idade, a mais velha dos seus quatro
filhos. A partir desse momento, a criança até aí voluntariosamente
desobediente, orgulhosa e invejosa, vai realizar, com tenacidade e
continuidade, um combate de cada instante a fim de se tornar boa, o
combate da sua transformação interior que ela vencerá graças à
sua vontade, obviamente, mas sobretudo – e é ela a dizê-lo –
através da oração e de sacrifícios que ela se impõe. Veem-na
ficar vermelha, serrando os seus pequenos punhos para controlar o seu
forte caráter perante as contrariedades que enfrenta; depois, pouco
a pouco, as crises diminuem até ao ponto dos seus familiares e
conhecidos ficarem com a impressão que tudo se lhe tornou agradável.
O amor pela sua mãe que ela quer consolar vai assim tornar-se o seu
caminho para o seu Deus. Este caminho encontra-se balizado pelas
numerosas reflexões de Ana que nos revelam a intensidade da sua vida
espiritual e pelos numerosos testemunhos dos seus próximos que
recordam os esforços contínuos que ela fazia para progredir na sua
conversão.
Vida curta, mas Santa
Para Ana de Guigné, o farol
que ilumina o seu caminho de conversão é a sua primeira comunhão à
qual aspira com todo o seu ser e toda a sua alma e que ela prepara
com alegria. Chegado o momento, a sua tenra idade necessitando uma
licença especial, o bispo impõe-lhe um exame que ela ultrapassará
com uma facilidade desconcertante. “Desejo que estejamos sempre ao
nível de instrução religiosa desta criança”, dirá o seu
examinador. A continuação da sua curta vida traduz a paz de uma
grande felicidade íntima alimentada pelo amor ao seu Deus que se
aplica, à medida que cresce, a um círculo de pessoa cada vez mais
vasto: seus parentes e familiares, pessoas com quem vai contatando,
os doentes, os pobres, os não crentes. Ela vive, reza, sofre pelos
outros. Atingida precocemente pelo reumatismo, ela sabe o que é o
sofrimento e corresponde-lhe com uma oferta: “Jesus, eu vo-lo
ofereço”, ou ainda “Ó, eu não sofro; aprendo a sofrer!” Mas
em dezembro de 1921, é afetada por uma doença cerebral – sem
dúvida uma meningite – que a força a permanecer acamada. Ela
repete incessantemente: “Meu Deus, eu quero tudo o que quiserdes”,
e acrescenta sistematicamente às orações que são feitas pelas
suas melhoras: “e curai também todos os outros doentes”. Ana de
Guigné morre na madrugada de 14 de janeiro de 1922 após este último
diálogo com a religiosa que vela por ela: “Irmã, posso ir com os
anjos?” – “Sim, minha bela pequena menina”. “Obrigada,
Irmã! Ó obrigada!”. Esta menina é uma “santa”, tal é então
o veredito geral. Os testemunhos abundam, artigos são publicados e o
Bispo de Annecy inicia em 1932 o processo de beatificação. Mas
então a Igreja não tinha tido ainda a necessidade de ajuizar sobre
a santidade de uma criança que não fosse mártir. Os estudos
conduzidos em Roma sobre a possibilidade da heroicidade das virtudes
da infância foram concluídos positivamente em 1981 e a 3 de março
de 1990 o decreto reconhecendo a heroicidade das virtudes de Ana de
Guigné e declarando-a “venerável” era assinado pelo papa João
Paulo II.
Notas escritas e
bilhetes
“Meu pequeno Jesus, eu vos
amo e para vos agradar tomo a resolução de obedecer sempre.”
(Bilhete deixado sobre o altar aquando da sua primeira comunhão)
“O pequeno Jesus, parece-me
que me respondeu no meu coração. Eu dizia-Lhe que queria ser muito
obediente e pareceu-me ouvir: sim, sê-o.” (bilhete à mãe 1917).
“Eu quero que o meu coração seja puro como um lírio”. “Quero
que Jesus viva e cresça em mim. Que meios tomar para isso?” (Notas
de retiro 1920). “Bem podemos sofrer por Jesus pois Jesus sofreu
por nós”.
Numa imagem do Calvário que
ela tinha feito, Ana escreve: “De pé diante da Cruz sobre a qual o
seu Filho estava suspenso, a Mãe das dores chorava com resignação.
Dai-me a graça de chorar convosco”. Ela acrescentava: “Porque
Jesus não é suficientemente amado”.
(Canto composto por Ana
para a comunhão)
Emprestai-m’O, Oh
Maria minha boa Mãe
Emprestai-me o vosso
filho, apenas um segundo,
Colocai-o nos meus
humildes braços.
Permiti-me, Maria
De beijar os pés do
vosso querido Filho
Que me deu tantas
graças.
Como eu desejo, ó Maria
Receber nos meus braços
o vosso Filho,
Dai-m’O, dai-m’O!
Que feliz eu sou agora
Pois tenho-O comigo!
À sua mãe que lhe pergunta
por que razão deixou de usar o seu missal, ela responde: “Porque
sei de cor as suas orações e distraio-me facilmente ao lê-lo. Pelo
contrário, quando falo ao pequeno Jesus nunca me distraio. É como
quando falamos com alguém, Mãezinha, sabemos muito bem o que
dizemos”. (dezembro de 1919)
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