LIVRO 4 - Capítulo 46
Apareceu à Santa um demônio com uma barriga muito grande, e
lhe disse: “O que você acha, mulher, e que motivos tem para pensar coisas
grandes? Sei também de muitas coisas, e te quero provar as minhas palavras com
a luz da razão, mas antes te aconselho a não pensar coisas incríveis, e também
não deve dar crédito aos seus sentidos. Não vês com os seus próprios olhos e
não ouves com teus ouvidos, o som da quebra da Hóstia da espécie do pão? Não
tem visto cuspi-la, pegá-la com as mãos e até mãos sujas, jogá-la
indecorosamente ao chão, e lhe fazer muitos desacatos, que eu não toleraria se
fizessem comigo? E se ainda fosse possível que DEUS estivesse na boca do justo,
como tem de descer até os injustos, cuja avareza não conhece termo e nem
medida”?
Disse a Santa ao SENHOR, que apareceu no momento em que
terminou a tentação: “SENHOR Meu JESUS CRISTO, VOS agradeço por todas as
Graças, e em particular, por três. Primeiro, porque vestiu a minha alma,
inspirando-me dor e arrependimento, com os quais os meus pecados, por grandes
que tenham sido, foram perdoados; segundo, porque sustenta a minha alma,
infundindo-lhe o Seu Amor e a permanente memória de Sua Paixão, com a qual me
deleito como um saboroso manjar; e terceiro, porque consola a todos os que na
tribulação LHE invocam. SENHOR tende misericórdia de mim e ajude a minha fé;
porque ainda que seja digna de ser entregue às ilusões do demônio, creio, não
obstante, que sem a VOSSA permissão ele não pode fazer nada, e também não lhe
permitis, sem dar algum consolo ao tentado”.
Então JESUS disse ao demônio: “Porque fala a esta nova Minha
Esposa”? O demônio respondeu: Porque a tive em minhas redes, e ainda espero
voltar a pegá-la. Estava comprometida, quando consentindo comigo, agradou mais
a mim, e quis seguir mais as minhas orientações, que a ti que és o seu CRIADOR.
Observei todos os seus passos, e os conservo na minha memória”. Interrompeu
JESUS: “Logo tu és negociante e explorador de todos os caminhos”? Respondeu o
demônio: “Sou, mas nas trevas, porque me deixaste sem luz”.
JESUS perguntou: Quando viste e quando ficaste nas trevas”?
Disse o demônio: “Vi, quando me criaste formosíssimo; mas porque
desprevenidamente me arrojei sobre o TEU esplendor, fiquei cego como um
basilisco (réptil de oito pernas). Vi quando invejava a TUA formosura; em minha
consciência eu TE vi, e TE conheci quando me lancei do Céu; vi também, quando
TU tomou o Corpo de carne, e fiz o que me permitiste; e TE conheci, quando ao
Ressuscitar, me despojaste dos prisioneiros, cativos do pecado; e a cada dia conheço
o TEU poder, e fazes burla de mim e me envergonhas”. JESUS falou: “Pois se
sabes a verdade sobre o Meu poder, e quem EU sou, por que mente aos Meus
escolhidos? EU não disse, que quem come a Minha carne, viverá para sempre? E
tu, dizes que é mentira, e que ninguém come a Minha carne. Neste caso, Meu povo
estaria sendo iludido, seria mais idólatra que os que adoram pedras e
madeiras”.
JESUS continuou: “Agora, ainda que EU conheça tudo, ME
responde, para que Minha Esposa que esta ouvindo, veja nesta visão aquilo que
não pode entender, senão por semelhança, as coisas espirituais. Tomé, meu
Apostolo, me tocou e apalpou após a Minha Ressurreição, para ver se era EU
Mesmo que estava ali. Era espiritual o que tocava, ou corporal? Si era
corporal, como EU podia ter entrado no Cenáculo, se as portas e janelas estavam
fechadas? E se era espiritual, como EU podia ver com os olhos do corpo e como
Tomé conseguiu ME tocar”? Respondeu o demônio: “Coisa difícil é ter que falar
onde se é considerado suspeito por todos, e à força se vê obrigado a dizer a
verdade. Desse modo, forçado por TUA ordem, digo; que quando ressuscitaste,
eras espiritual e corporal; e assim, pela eterna virtude da TUA Divindade, e
pela prerrogativa espiritual da carne glorificada, entras e podes estar onde
quiser”.
Voltou o SENHOR a dizer: “Quando a vara de Moisés se
converteu em serpente, era verdadeira serpente por dentro e por fora, ou só uma
figura e semelhança de serpente? Aqueles cestos de pão ou pedaços de pão, que
recolheram os Meus Discípulos, era pão de verdade, ou apenas semelhança de
pão”?
Respondeu o demônio: “Verdadeiramente a vara se transformou
numa serpente, e tudo o que foi recolhido nas cestas eram sobras de verdadeiro
pão. E tudo isto foi feito pelo TEU poder”. Disse JESUS: “E por ventura, agora
será para MIM mais difícil fazer milagres iguais ou maiores que aqueles, se
assim é Minha Vontade? E já que a carne glorificada pôde entrar então onde
estavam os Apóstolos com as portas e janelas fechadas, porque não posso estar
agora nas mãos dos sacerdotes”?
“Talvez lhe custe algum trabalho a Minha Divindade juntar o
alto com o baixo, as coisas do Céu com as da Terra? Não, com certeza; senão que
no fim de tudo, tu és o pai da mentira; mas se tua malícia é grande, maior é o
Amor que tenho e terei sempre pela humanidade. E ainda que parecesse que um
queimava esse Santíssimo Sacramento, e outro o espezinhasse, EU só conheço a fé
que têm todos e disponho todas as coisas com medida e paciência: e do nada
sempre faço alguma coisa, do invisível, para o visível, e no sinal e nas
palavras apresento uma coisa a vista, que na realidade é outra coisa diferente
do que parece ser”.
Contestou o demônio: “A cada dia experimento essa verdade,
quando se afastam de mim meus amigos, e se fazem amigos TEUS. Que mais queres
que TE diga? Se me deixassem a minha liberdade, bem poderia manifestar com
minha vontade o que faria, se me permitissem”.
Disse NOSSO SENHOR a Santa: "Creias tu, filha, que EU
sou JESUS CRISTO, reparador e não destruidor da vida; EU sou o Verdadeiro e a
Verdade Plena, e não o mentiroso, e Meu poder é eterno, e sem ele nada existe e
nada se fará. E é tão verdadeiro que estou nas mãos do sacerdote, e mesmo que o
sacerdote duvidasse, não obstante, pelas palavras que EU estabeleci e disse,
por estas palavras que EU mesmo falei, estou verdadeiramente em suas mãos, e
todo aquele que ME recebe, recebe a Minha Divindade e Minha Humanidade, em
forma de pão”.
"Que é, pois, DEUS, senão vida e doçura, luz
esplendorosa, bondade infinita, justiça que julga e misericórdia que salva? Que
é a Minha humanidade, senão uma carne sutilíssima, a união de DEUS com o homem,
e cabeça de todos os cristãos? Logo todo o que crê em DEUS e recebe o seu Corpo
(Sagrada Comunhão), recebe também a Sua Divindade, porque recebe a vida; e
recebe também a humanidade, com que se juntam DEUS e o homem, recebendo tudo na
forma de pão (Hóstia Consagrada), se achando ali Real e Verdadeiramente
presente como está nos Céus, ocultando apenas a sua forma para despertar a fé”.
A pessoa má recebe igualmente a mesma Divindade, mas ela é
julgadora, não agradável e prazerosa; recebe também a humanidade, mas menos
agradável com ele, mesmo na forma de pão, porque é na mesma espécie que se vê e
que se recebe a verdade oculta, porque assim que os maus ME aproximam de seus
lábios e de sua boca, ME afasto com Minha Divindade e Humanidade, ficando
somente a memória do pão. E acontece isto, porque quando a pessoa má recebe o
Meu Corpo em realidade EU não estou ali presente. Por isso, o mesmo Sacramento recebido
pelos bons e pelos maus, tem efeitos totalmente diferentes”.
"Finalmente, no mesmo sacrifício se apresenta ao homem a Vida, isto é, o mesmo DEUS, que se dá também nesta Vida; mas a Vida não permanece com os maus, porque ela não aceita o mau, e assim, no mau, só fica o paladar e a sensação de ter recebido o pão”.
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