Não
veio, como afirmou, para ab-rogar e abolir a lei, mas sim para completá-la e
conduzi-la à perfeição; e aperfeiçoada por Ele com sua doutrina e seu
ensinamento foram os dez mandamentos, que Deus proclamou sobre o Sinai ao povo
de Israel.
1.
OS DEZ MANDAMENTOS, EM GERAL
Os
dez mandamentos são uma lei dada por Deus mesmo, na qual se espelha também o
vigor da razão humana e da inteligência dos sábios; e não obstante isto, a quem
examina as condições religiosas e morais da hora presente que coisa se manifesta
senão um penoso contraste entre o mais alto grau de formação religiosa, que
hoje em dia se oferece ao povo, de um lado, e de outro, o menor aproveitamento
que se tira e a menos eficaz força de impulso, que disto deriva na prática da
vida? Em períodos precedentes da história da Igreja era mais simples em geral o
comum ensinamento religioso; mas supria isto o fato que todo o processo da vida
humana era dominado com numerosos santos costumes impregnados do temor de Deus
e pelo imprescindível dever de seus mandamentos.
Da
metade do século passado, não somente a ciência católica com admirável
desenvolvimento cada vez mais se tornou vasta, mas também o próprio magistério
eclesiástico de modo grandioso e amplo, expôs e clarificou em todo aspecto a fé
católica e forneceu normas morais para as mais variadas condições da vida,
tanto dos indivíduos, como das comunidades, procurando em todas as possíveis
formas levar e difundir nas almas tantas riquezas da luz espiritual. Quando
porém se pergunta se igualmente tanto se elevou no povo católico o grau da
instrução religiosa e da conduta moral, a resposta não pode infelizmente soar
afirmativa. Em lamentável oposição com este alto desenvolvimento doutrinal
começaram a diminuir e a eliminar-se a eficácia e a força do impulso religioso.
Não
negaremos, aliás claramente aparece que não faltaram nem faltarão católicos,
exemplarmente fiéis aos mandamentos de Deus; aos quais não falta heroísmo
cristão e santidade. Neste campo a nossa idade não está inferior aos tempos
anteriores, e não tememos dizer, que sobrepassa tantos. Mas dai um olhar às
opiniões, condições e instituições públicas, e encontrareis desventuradamente
que foram mais ou menos descristianizadas, enquanto que a desestima e o
afastamento do modo de viver cristão difundiram-se largamente. Uma difusa
corrente anti-religiosa, se opõe aos crentes, que querem conformar toda sua
vida pessoal, familiar e pública à lei de Deus; encontram graves dificuldades e
impedimentos para fazer conhecer e estimar suas convicções; onde não poucos
sucumbem ou definham na prática da religião. Para respirar no ar corrompido das
grandes cidades modernas e viver nelas cristãmente sem beber o veneno, é
necessário um profundo espírito de fé, e a força da resistência, própria dos
mártires.
Um
fato que sempre se repete na história da Igreja, é que quando a fé e a moral
cristã se ferem contra fortes correntes adversárias de erros ou de apetites
viciados, surgem tentativas de vencer as dificuldades com algum cômodo pacto,
ou procura-se esquivá-las e iludi-las.
Também
no que diz respeito aos mandamentos de Deus acreditou-se ter encontrado uma
providência. Na matéria moral, diz-se, há inimizade com Deus, perda da vida
sobrenatural, grave culpa em sentido próprio, somente quando o ato, do qual se
deve responder, foi posto não somente com claro conhecimento, que é contra o
mandamento de Deus, mas também com a expressa intenção de ofender com ele o
Senhor, de romper a união com Ele, de negar-lhe o amor. Se esta intenção
faltou, se com isto o homem de sua parte não quis truncar a amizade com Deus, o
ato em particular - afirma-se - não pode prejudicá-lo. Para trazer um exemplo:
os multiformes desvios do sexto mandamento não seriam para o crente, que de
resto quer manter-se unido a Deus e conservar-se amigo dele, nenhuma falta
grave, nem importaria culpa mortal. Solução de deixar abismado. Quem não vê
como, no claro conhecimento de que um determinado ato humano é contra o
mandamento de Deus, se inclui que ele não pode ser endereçado ao fim da união
com Ele, exatamente porque contém a aversão, ou seja, o afastamento do ânimo,
de Deus e de sua vontade (aversão a Deus, fim último), aversão que destrói a
união e a amizade com Ele, como faz propriamente a culpa grave? Não é talvez
verdade que a fé e a teologia ensinem que cada pecado é uma ofensa a Deus e
mira a ofendê-lo porque a intenção ínsita na culpa grave é contra a vontade de
Deus expressa no mandamento dele que se viola? Quando o homem diz sim ao fruto
proibido, diz não a Deus proibindo; quando antepõe si mesmo e sua vontade à lei
de Deus, afasta de si Deus e o divino querer; nisto consiste a aversão de Deus
e a íntima essência da culpa grave. A malícia do ato humano vem disto, que não
é ajustado a sua regra, a qual é dúplice: uma próxima e homogênea, isto é, a
própria razão humana; a outra é a primeira regra, quer dizer a lei eterna que é
como a razão de Deus, cuja luz resplende na consciência humana, faz então ver a
distinção entre o bem e o mal. O verdadeiro crente não ignora que a intenção
tendente ao objeto da culpa mortal não é separável da intenção que viola a
vontade e a lei divina e rompe toda amizade com Deus, o qual sabe muito bem
reconhecer as retas e as más intenções dos atos humanos e premiá-las ou
puni-las com sua penetrante justiça.
Não
há senão uma via para chegar ao amor de Deus e manter-se na união e amizade
dele: a observância dos seus preceitos. As palavras contam pouco; o que vale
são os fatos, e portanto o Redentor dizia: "Nem todos aqueles que me
dizem: Senhor, Senhor, entrarão no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a
vontade do meu Pai, que está nos céus, estes entrarão no reino dos Céus".
Confessar Deus com o cumprimento de sua santa vontade em todos seus mandamentos
e conformar-se a eles, antes unificar com eles a nossa vontade, este, e somente
este é o caminho do Céu. S. Paulo proclama tal axioma da vida moral com
enérgica forma: "Cuidado por não errar: nem os fornicadores, nem os
idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os que pecam contra a
natureza, nem os ladrões, nem os avaros, nem os que se dedicam à embriaguez,
nem os malvados, nem os ladrões rapinadores, obterão a herança do Reino dos
Céus". O Apóstolo das Gentes tinha certamente diante dos olhos não somente
as defecções da lei de Deus, pela formal negação da fé, o ódio formal contra
Ele, mas também toda grave lesão das virtudes morais, e sua palavra não visava
somente os hábitos de pecar, mas também todos os atos contra a moral e a
justiça, que são pecados mortais e trazem portanto consigo a eterna condenação.
Dar
exatamente ao homem religioso uma como que carta de imunidade de toda culpa, em
tudo aquilo que fizesse contra os mandamentos de Deus, não poderia certamente
ser e julgar como redenção da miséria moral, cuja destruição, hoje, a Igreja
visa particularmente. Hoje parece renascido o paganismo, e já muitos o
exaltaram contra o cristianismo em seus volumes e em seus versos, mas a Igreja,
desde seu aparecimento no mundo, entrincheirou-se com a doutrina do Evangelho e
com a virtude heróica de seus Apóstolos e de seus crentes, contra todo sofisma
e toda perseguição oculta ou aberta do gentilismo. Sua luta foi sempre movida
por um caminho frontal, contrapondo aos desvios pagãos a força iluminadora dos
preceitos e das virtudes cristãs. Não somente as Epístolas de S. Paulo dão um testemunho
preclaro da altura das obrigações morais portadoras da religião de Cristo e da
luta que os fiéis deviam sustentar para atuá-la; mas também no fim da Idade
Apostólica, as Cartas do Apocalipse às sete Igrejas, são uma não menos
manifesta expressão disto, naquele contínuo repetir-se: "Vincenti... Qui
vicerit ... ". "Ao que vencer darei de comer da árvore da vida, darei
o maná escondido; confessará o seu nome diante do Seu Pai, e diante de seus
anjos. Quem será vencedor não será ofendido pela segunda morte".
O
fervor dos cristãos nos primeiros séculos inclinava-os a professar sua fé
talvez mais abertamente do que imaginamos; tanto que por vezes o seu rigor
moral atravessou os limites da racional medida requerida pelo espírito do
Evangelho. Com grande severidade os Padres da Igreja não duvidaram combater,
pelas desordens que ocasionavam, os espetáculos, as lutas dos gladiadores, os
teatros, as danças, as festas e os divertimentos, que, não obstante, pareciam
naturais à sociedade pagã. Nada de admirar-se, pois, que a fé viesse
radicalmente transformando os costumes de quem dela se avizinhava.
Se
hoje, portanto, muitas vezes se levanta o grito: Volta ao Cristianismo
primitivo! bem se começa a colocá-lo em ato com a emenda e reforma dos
costumes; aquele grito não seja, pois, apenas uma voz vã, mas um sério e
efetivo retorno, como o requerem, e como verdadeiramente é necessário para
nosso tempo, às exigências da ação e da vida moral.
O
heroísmo, Cristo não o encontra em todos; a quem quer que manifestava, ainda
que somente um sinal de boa vontade, estendia a mão e inspirava coragem; mas ao
mesmo tempo não se resignava de formular as perguntas mais profundas: "Se
alguém quer me seguir, renegue a si mesmo e tome cada dia sua cruz e me
siga". "Sede perfeitos, como é perfeito Vosso Pai Celeste". Para
conduzir os homens a tão altas metas, a Igreja a todos socorre, sempre com a
intenção de mais e mais avizinhar da perfeição do Pai Celeste quantos crêem em
Cristo e praticam seus ensinamentos e mandamentos.
Ela
está sobre o monte, visível a todos, "mãe dos santos, imagem da cidade
eterna", enquanto parece que a descristianização, em torno dela, ganhou e
ganha terreno.
A
Igreja está lá, sobre seu fundamento, inflexível às defecções e às
perseguições, porque ela tem a força de Deus e de Cristo. Foi dito que, se Deus
não existisse, seria necessário inventá-lo: sem Deus, que designou aos homens
os fins e os confins do bem e do mal, não esplenderia à razão uma lei de
moralidade sobre esta terra. Lá onde domina a fé em Deus pessoal, permanece
segura a ordem moral, determinada pelos dez preceitos do Decálogo; de outro
modo, ou antes ou depois miseravelmente cairá por terra.
2.
OS MANDAMENTOS DE DEUS, EM PARTICULAR
Se
olhamos agora os mandamentos de Deus singularmente, pode-se bem dizer que cada
um deles tornou-se um grito de alarma, cada qual mostra um grave perigo moral.
Os tempos passados tinham visto também eles sérias desordens: quem poderia isto
negar? Mas algumas colunas, que sustentavam a ordem ética, antes de tudo, a fé
em Deus, a autoridade dos pais e dos poderes públicos, permaneciam sempre
sólidas e intatas. Hoje todo o edifício da moral está ameaçado, insidiado e
revolvido. Um sinal característico de tal decadência é que com o diminuir da fé
em Deus, e com a simultânea exageração e abuso que não raramente se dá ao poder
público, não só as formas concretas, mas também o próprio princípio da
autoridade tornam-se "pedras de escândalo" e encontram refugo.
Cremos,
entretanto, que para sanar e melhorar tal estado de coisas, dois remédios
particularmente ajudariam. Em primeiro lugar, restitua-se a autoridade dos
genitores, em todos os seus direitos, também lá onde ela foi restringida e
absorvida, por exemplo, no campo da escola e da educação. Pois todos os que têm
uma autoridade pública, todas as classes dirigentes, até os empregadores e os
educadores da juventude, procedam eles mesmos com exemplo de uma vida
escrupulosa e exercitem o poder moral inerente ao seu ofício conforme as leis
da justiça e do amor. A tal modelo de probidade o mundo permaneceria admirado,
vendo quais prodígios de pública tranqüilidade e confiança poderiam surgir.
No
terreno da recíproca lealdade e veracidade reina e se expande um ar viciado, no
qual as pessoas de boa-fé sentem faltar-lhes a respiração. Quem teria esperado
que depois de toda a alta civilização ou a superior cultura que foram a glória
da idade precedente, o respeito para com o direito teria encontrado perigos,
competições e violações, quais somente os períodos mais obscuros da história
conheceram? Mas também em tal matéria a chave de toda solução foi dada pela fé
em Deus pessoal que é fonte de justiça e reservou a si o direito sobre a vida e
sobre a morte. Nada senão esta fé poderá conferir a força moral para observar
os devidos limites diante de todas as insídias e tentações para atravessá-las;
tendo presente ao olhar que, excetuando-se os casos de legítima defesa privada,
a guerra justa e realizada com justos métodos, e da pena de morte aplicada pela
autoridade pública para bem determinados e provados gravíssimos delitos, a vida
humana é intangível.
Sobre
os mandamentos chamados "da primeira tábua", que dizem respeito a
Deus, achamos oportuno duas observações.
A
primeira concerne ao sentido mesmo do culto a ser rendido a Deus, sentido que
nos últimos 105 anos veio sendo obscurecido também em meio dos fiéis. Se de
fato em todo tempo acontece que no santuário da vida religiosa pessoal os
homens procurem e tentem fazer progredir o próprio interesse, este se nota,
além da medida, verificado e provado sob o influxo da soberba e vaidosa cultura
materialística, que senhoreia as gerações modernas.
Quis-se
reduzir as relações entre Deus e o homem no auxílio divino nas ocorrências
materiais e terrenas; quanto ao resto, o homem quer fazer por si mesmo quase
como se não mais houvesse necessidade do sustento divino.
O
culto de Deus tornou-se um conceito do útil; a religião da esfera do espírito
caiu na da matéria. A prática religiosa não usava senão pedir favores ao céu
para as necessidades da terra, fazendo quase as contas com Deus: a fé vacilava,
se o auxílio não correspondia ao desejo. Que religião e fé antes de tudo
importam adoração e serviço de Deus; que existam mandamentos de Deus, os quais
obrigam sempre, em cada lugar e em todas as circunstâncias, que para o cristão
a vida futura domine e determine a terrena, estes conceitos e estas verdades,
que regem e guiam o intelecto e a vontade do crente, tornaram-se estranhos ao
pensamento e ao sentimento do espírito humano.
A
tal transviamento qual remédio convém opor? É necessário que as grandes
verdades e os grandes conceitos da fé retornem como vida e realidade, em todas
as classes do povo, nas superiores ainda mais do que nas deserdadas e provadas
pela indigência e miséria daqui debaixo. E necessidade mais urgente disto na
educação religiosa não há talvez no presente, que não só o exige, mas o
facilita também a que isto se providencie, porque quanto agora de mal e de
desventura a humanidade experimenta, pela decadência da moral e da justiça, vem
a ser uma correção terrivelmente clara e dolorosa pela falsa idéia de Deus e da
religião subvertida em sua prática.
Foi
dito que o prodígio destes anos são os milhões de fiéis que honram a Deus e o
servem, submetidos aos seus mandamentos, embora tenham vindo a encontrar-se em
condições de indizíveis apertos. Certamente existem tão devotos e impávidos
cristãos, glória da Igreja.
O
culto de Deus, que no curso da vida humana deveria iniciar e fechar cada dia,
impõe ademais deveres especiais para a santificação das festas; aqui cabe nossa
segunda observação. Não se pode, certamente reprovar a Igreja de querer aplicar
o preceito dominical com excessiva dureza, a ela que o determina e o regula com
aquela "benignitas et humanitas", das quais deu exemplo o seu divino
Fundador. Mas contra a profanação e o transmudamento leigo do dia sagrado de
domingo, que com o ritmo crescente vem sendo espoliado de seu caráter
religioso, e em tal modo afastam os homens de Deus, a Igreja, guarda da lei
divina, deve opor-se e fazer frente com santa firmeza.
Deve
fazer barreira a Igreja contra a absorção e a distração derivantes do esporte
excessivo, a tal ponto que não há mais tempo para a oração, para o recolhimento
e para o repouso, os membros da família são, forçosamente, um separado do
outro, e os filhos permanecem alheios e fora da vigilância de seus genitores.
Oponha-se, sem temor, àqueles divertimentos, que, como o cinema imoral, mudam o
domingo em dia de pecados. Finalmente deve dar-se ao devido repouso e descanso
festivo, que se muda mais do que qualquer outra coisa em vantagem de elevação
religiosa, de renovamento espiritual e de concorde progresso da vida de
família.
Deus,
o nome de Deus e o culto de Deus constituem a "primeira tábua";
próximo, e os deveres e direitos da vida humana aparecem na "segunda
tábua", a qual, se une com a primeira forma do decálogo, quase do modo em
que o amor de Deus e o amor do homem se unem para constituir um só amor que de
Deus reverte sobre o próximo. Mais numerosos são os preceitos contidos nesta
"segunda tábua", que mereceriam muitas observações; mas como
poderemos Nós deixar de recordar as palavras "Non moechaberis"? É
dizer muito, se Nos lamentamos que contra tal mandamento, exatamente os países
que se gloriam de mais civilizados apresentam um espetáculo de mais profunda
devastação moral, e se adicione que os seus vestígios são visíveis na Cidade
Eterna? Nós bem sabemos quanto também as reformas econômicas e sociais devem
eficazmente influir para salvar o matrimônio e a família; mas tal salvação, em
fins de contas, permanece um dever e uma obrigação religiosa, cujo processo
curativo deve ter começo nas raízes. A inteira concepção do campo da vida, que
entra no sexto mandamento está infetada daquilo que se poderia chamar "o
matrimônio no filme" o qual outro não é senão uma irreverente e impudica
amostra das contaminações do matrimônio e da infidelidade conjugal, que arrasta
a ver nas núpcias desvencilhadas de toda ligação moral, somente como a cena e
fonte de prazeres sensuais, e não como obra de Deus, como santa instituição,
obrigação natural e pura felicidade, na qual o elemento espiritual sempre
domina e sobrepuja, como escola e ao mesmo tempo triunfo de um amor fiel até o
túmulo, até a porta da eternidade. Fazer reviver tal visão cristã do matrimônio
entre os fiéis, não é porventura um dever da cura das almas?
É
necessário que a vida conjugal seja novamente revestida e circundada deste
respeito, do qual a sã e incorruta natureza e a revelação desde o princípio
adornaram; respeito pela força, que Deus admiravelmente infundiu na natureza
para suscitar novas vidas, para edificar a família, para a conservação do
gênero humano. A educação dos jovens na castidade dos pensamentos e dos afetos,
a continência antes do matrimônio, não é a última meta, a qual tende e mira a
pedagogia cristã; mas sim a demonstração de sua eficácia em formar o espírito
contra os perigos que insidiam a vida. O Jovem que afronta e vitoriosamente
sustém a luta pela pureza, observará também os demais mandamentos de Deus e
será apto para fundar uma família segundo os desígnios do Criador. Ao invés,
como se poderia esperar a castidade e fidelidade conjugal de um jovem que não
soube jamais vencer a si mesmo e assenhorear-se de suas paixões, desprezar os
maus convites e os maus exemplos, e que se permitiu antes das núpcias toda
desordem moral?
Se
o médico das almas - como tem obrigação sagrada diante de Deus e da Igreja -
quer obter vitória contra os dois cancros da família, o abuso do matrimônio e a
violação da fé conjugal, deve formar, crescer e instruir, com os lumens da fé,
uma geração que desde os primeiros anos tenham aprendido a pensar santamente, a
viver castamente, a dominar a si mesma.
Pensar
santamente sobretudo da mulher. O "matrimônio no cinema" tem nesta
matéria agido no modo mais funesto possível; tirou ao homem o respeito da
mulher, e depois à mulher o respeito de si mesma. Passam a educação e o cuidado
das almas reconduzir as mentes e os corações ao antigo e puro ideal da mulher,
mostrando a elas a Imaculada Virgem e Mãe de Deus, Maria, à terna e confiante
veneração para a qual foi, em todo tempo, conservação e salvação da honra
feminina.
Uma
última palavra devemos acrescentar sobre o sétimo mandamento, considerando as
presentes condições econômicas, que o turbilhão da guerra desastrosamente quase
destruiu. Em tal argumento alegrar-nos-ia fazer nossa a severa admoestação de
S. Paulo: "Ninguém roube ou faça fraude ao seu irmão nos negócios, porque
o Senhor faz justiça de todas estas coisas". Se tal aviso já se torna
oportuno em uma normal e tranqüila disposição da vida social, é ainda muito
mais conveniente e necessário nas hodiernas, confusas e agitadas circunstâncias
da convivência entre os homens, por dúplice motivo.
Primeiramente
os tempos de crise e perturbações econômicas, quais os presentes, exigem
duplamente a exata observância do sétimo e quinto mandamentos concernentes aos
bens e à vida do próximo, porque, de outro modo grande seria o perigo que a
lealdade e fidelidade de agir e de tratar reciprocamente desaparecessem a tal
ponto que tornariam impossível e insuportável o viver civil. Quando um dique
está ameaçando ruir pelo ímpeto da corrente, não se pode debilitá-lo, mas
deve-se reforçá-lo.
Em
segundo lugar, nas imensas misérias, na falta de habitações e de alimentos, em
que a atrocidade da guerra precipitou milhões de viventes humanos, não causa
maravilha que a desonestidade no manejo dos negócios, o temerário e perverso
aproveitamento das dificuldades presentes e particularmente a imposição dos
preços exorbitantes e ilícitos assenhoreiam-se das coisas necessárias à vida,
tornem muito mais fácil que em idades quietas e pacíficas o ultraje à
comunidade do povo e violação da justiça que gritam a Deus. Cada qual vê e
compreende quanto seja necessário prevenir semelhantes tentações e vigiar a si
mesmo, não somente com a conscienciosa probidade nas relações do meu e teu, mas
também com firme e vivo sentido e generosa mão para tudo o que inclina e leva à
caridade cristã e que a justiça social pede.
Das
obras de misericórdia: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos,
vestir os nus, alojar os peregrinos, visitar os enfermos e encarcerados, - oh!
como todas estas dores e afãs da realidade tocável ressoam na hora presente em
nossos ouvidos! - não dependem talvez, segundo a solene promessa de Cristo, no
extremo juízo, a bênção ou a maldição, a alegria ou a dor para toda a
eternidade? Sim: e o mesmo acreditamos poder afirmar por isto que diz respeito
às obras feitas e omitidas pela justiça social (1).
(I)
Alocução aos Quaresmalistas, 23 de fevereiro, 1944.
Fonte:
Pio XII e os problemas do mundo moderno, tradução e adaptação do Padre José
Marins, 2.ª Edição, edições Melhoramentos.
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