I.—Filho, se em Meu tribunal hei de
pedir rigorosas contas aos seculares, quanto mais rigorosas hei de pedi-las a
ti, que contraíste mais graves deveres? Vem cá, dir-te-ei, vem e, não só como
homem e como cristão, mas também como Sacerdote, dá-me contas da Minha lei, da
tua dignidade, do exercício do teu ministério, dos dons que recebeste, das tuas
culpas e até das dos outros.
Dá-Me conta de todo o mal que tens
feito; veja-se à luz do dia a gravidade de todos os teus pecados, cometidos em
qualquer tempo ou lugar, com todas as suas circunstâncias e número; vejam-se
até as coisas mais ocultas, um volver de olhos, uma palavra, um pensamento.
Dá-Me conta, não só das tuas
culpas, mas até das que ocasionaste nos outros, com teus maus exemplos,
ditérios ou conselhos; das que, como devias, não impediste por negligência ou
por humanos respeitos, tanto em público como em particular[1].
Dá-Me conta de todo o bem que
devias fazer e não fizeste, ou o fizeste mal: manifeste-se a intenção e os
meios, com que entraste no estado eclesiástico, no benefício; o modo como
cumpriste os testamentos, os legados pios, e distribuíste os bens
eclesiásticos; como viveste na qualidade de Sacerdote.
Dá-Me conta da celebração e
aplicação do Sacrifício da Missa, da reza do Ofício divino, dos estudos, da
catequese, da prédica, do exemplo, dos conselhos, das correções, etc.
Se és Confessor, dá-Me conta de
como despediste os penitentes; se com pressa, por interesse ou respeitos
humanos; de como interrogaste, admoestaste, curaste e absolveste os ignorantes,
os consuetudinários, os ocasionários, os indispostos.
Se fores Pároco ou Superior, de
quem depende todo o bem e todo o mal dos súditos, dá-me conta de como vigiaste,
guardaste e apascentaste as almas que te entreguei[2].
Prostrado a Meus pés, filho,
examina, um por um, atentamente estes artigos: só um deles pode ser bastante
para te condenar. Prepara-te, enquanto é tempo, o qual desaparece a cada
momento. Se neste dia, nesta noite, ou nesta hora te colhesse a morte, e eu te
chamasse a contas, que seria de ti?
II. — Quantos Sacerdotes se
condenaram, somente por terem sido inúteis! Quantos outros Me dirão: Grande
Deus, porventura não pregamos o Vosso nome, não profetizamos, não expulsamos
demônios? Não fizemos em Vosso nome muitos e estupendos milagres? Mas verás
como Eu os repelirei da Minha presença, protestando que nunca os conheci por
Meus!
Não, filho, naquele dia nada valerá
a palha inútil, nem a bela folhagem da aparência, que o mundo aplaude; só quem
tiver edificado sobre Mim, com ouro maciço de acrisolada virtude, será
premiado.
Se quem viveu ocioso, quem trabalhou
sem reta intenção, se até os mesmos justos apenas se salvarão; que será de ti,
se vives como pecador escandaloso e ímpio?
Quem recebeu mais que os outros,
também dará mais rigorosas contas. Ora tu, que foste cumulado de
especialíssimos benefícios; tu, que tens tido tanto tempo, tantas luzes, tantas
graças, tantos talentos, tantas comodidades, tantos estímulos, tão sublime
poder, feito quase um outro Eu, quererás que os Meus dons se te convertam em
argumento da mais severa condenação?[3]
Quem é mais que os outros, será
mais rigorosamente julgado. O Meu juízo será duríssimo com os que governam. Com
os fracos, com os pobrezinhos uso de misericórdia; mas os poderosos hão de ser
julgados com todo o rigor, e hão de experimentar todo o peso do Meu braço
onipotente[4].
Que será pois de ti, filho, cuja
dignidade excede a todas as dignidades, e cujo poder é superior ao dos mais
poderosos do mundo?
III. — Que desculpa alegará naquele
dia? A ignorância? Mas, se recebeste tantas luzes, se tinhas rigorosa obrigação
de te aproveitar delas, se de mais a mais te lisonjeiras de saber tudo; as
escolas, os livros, os púlpitos, etc., te arguirão da tua ignorância crassa, ou
da tua mais que horrenda malícia.
Alegarás a fragilidade? Mas, vendo
que tantos Sacerdotes, tantos leigos, tantos mais fracos que tu, com menos
comodidades e mais tentados fizeram tanto bem para si e para o próximo, como
alegarás a falta de forças e de talentos?
Dirás que outros Sacerdotes viviam
assim, e que, se vivesses d’outra sorte, te escarneciam? Mas salvar-te-ão os
conselhos e motejos dos mundanos naquele dia, quando vires, em turba, os
conselheiros e escarnecedores perdidos?
Eu mesmo, filho, te adverti que os
desprezasses, que te fizesses violência, que não seguisses o costume dos
mundanos, mas sim as Minhas máximas e os Meus exemplos; e te prometi que seria
a tua vida; e tu, encostando-te a vãos pretextos e mentidas desculpas,
quererás, a despeito do Meu amor, afrontar uma condenação, tanto mais terrível,
quanto mais graves são os teus deveres, as graças e dignidade que recebeste?
Fruto. — Despreza os juízos do
mundo; o teu Juiz é Deus. Julga-te a ti mesmo, antes que venha aquele Deus, que
há de julgar a mesma justiça, e as mais santas obras, não segundo os juízos do
mundo, mas segundo as balanças do santuário[5]. S. Jerônimo, depois duma vida
tão austera e tão santa, empregada toda em serviço da Igreja, temia
continuamente o Juízo, parecendo-lhe a cada momento ouvir o som da trombeta,
que o citava para o grande tribunal.
Santo Agostinho, pensando que havia
de dar conta de si e dos outros, se considerava como debaixo dos pés de todos,
e se recomendava a suas orações, temendo e tremendo de sofrer mais terrível
condenação, por serem mais graves os seus deveres.
VI. — Infeliz de ti, filho, se não
procuras viver como Sacerdote! O dia do Juízo será para ti dia de horror, dia
de angústia e de trevas.
Para tomar vingança de tens crimes
armarei contra ti o Céu, a terra, os elementos, os Anjos, os demônios, todas as
criaturas. Todos os Santos, que agora podiam ser teus protetores, empunharão
comigo a espada vingadora. Minha Mãe, Maria Santíssima, agora Mãe de
misericórdia, te aparecerá então terrivelmente irada.
Ver-Me-ás, com todo o fulgor da Minha
majestade onipotente, arrojar sobre ti a Minha ira, qual aguda lança, para te
conculcar com todo o Meu furor. Com que ânimo comparecerás em Minha presença,
sabendo que mereces toda a Minha indignação?
V. — Tudo quanto procuraste ocultar
ao Confessor, ao Superior, ao mundo, a ti mesmo, será então publicado.
Que imensa perturbação sentirás,
vendo-te acusado por tua própria consciência, confundido por tantos Sacerdotes,
por tantos correligiosos, por teus mesmos fundadores, cujas virtudes não
imitaste, por tantos leigos que no século se santificaram, pelos mesmos
infiéis, menos culpados que tu?
Surgirão contra ti os pobres que
não socorreste, por saciar tuas paixões e sustentar animais de regalo; clamarão
vingança os ignorantes que não instruíste, os pecadores que não converteste, os
cúmplices pervertidos, todas as almas por tua culpa condenados:[1] as mesmas
pedras do altar, a madeira dos púlpitos, as tábuas do confessionário bradarão
contra tuas omissões e teus sacrilégios!
Até agora tenho-Me calado; mas
então levantarei a Minha voz! E que responderás, filho, às amargas repreensões
por tantos crimes públicos, pelo abuso de tantas graças, pela omissão e traição
de tantos deveres?
VI. — Agora tens mil modos de iludir a ação da
justiça do mundo; mas naquele dia nem pretextos, nem subornos, nem protetores,
nem teu mesmo caráter te poderão subtrair ao rigor da minha justiça.
Ser-te-ão arrancadas dos ombros as
vestes sacerdotais, e ver-te-ás ignominiosamente degradado à face de todo o
mundo[2].
Oh! Quão desesperada será a tua
consternação ao ver-te fulminado, pela mais terrível sentença, a tormentos os
mais cruciantes, irrevogáveis, eternos; sem piedade, sem apelação, sem
escapatória! Com que raiva verás subirem ao Céu, entre os santos eleitos do
Senhor, aqueles rústicos e plebeus, aquelas mulherzinhas devotas, por ti
escarnecidas e desprezadas; até os mesmos publicanos e meretrizes convertidas e
penitentes; e tu, porção escolhida, ires habitar com os hipócritas e
infiéis![3]
Quererás pois tu, Sacerdote, que
Eu, morto por ti nesta cruz, seja a tua ruína e ruína tanto maior para ti, com
relação aos leigos, quanto teus pecados foram mais graves que os deles?
Quererás que o Meu mesmo corpo e o Meu sangue, que tantas vezes tens recebido,
seja tua maior pena e a maior causa da tua condenação?
Eia, filho, não sejas assim: não Me
obrigues, com tua resistência, a condenar-te. Repara bem que hoje quero ser
para ti atentíssimo Pai, e então hei de ser severíssimo Juiz.
Fruto. — No dia do Juízo não te
servirão de escusa a ignorância nem a fragilidade, nem o exemplo dos Sacerdotes
relaxados.
Acusa-te agora de todas as tuas
faltas, especialmente das de omissão. Faze sincera penitência do passado; e
para o futuro empenha-te em conformar todas as tuas ações com teu elevado
ministério.
Traze sempre na memória que és
sacerdote: pensa a miúdo em tuas grandes obrigações, e no grave peso que sobre
ti tomaste com o sacerdócio. Faze contigo mesmo, todos os dias, te diz S.
Gregório, aquelas contas que, um dia, hás de fazer com o supremo Juiz.