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sábado, 27 de abril de 2013

O Juízo Final de um Sacerdote



          I.—Filho, se em Meu tribunal hei de pedir rigorosas contas aos seculares, quanto mais rigorosas hei de pedi-las a ti, que contraíste mais graves deveres? Vem cá, dir-te-ei, vem e, não só como homem e como cristão, mas também como Sacerdote, dá-me contas da Minha lei, da tua dignidade, do exercício do teu ministério, dos dons que recebeste, das tuas culpas e até das dos outros.
            Dá-Me conta de todo o mal que tens feito; veja-se à luz do dia a gravidade de todos os teus pecados, cometidos em qualquer tempo ou lugar, com todas as suas circunstâncias e número; vejam-se até as coisas mais ocultas, um volver de olhos, uma palavra, um pensamento.
            Dá-Me conta, não só das tuas culpas, mas até das que ocasionaste nos outros, com teus maus exemplos, ditérios ou conselhos; das que, como devias, não impediste por negligência ou por humanos respeitos, tanto em público como em particular[1].
             Dá-Me conta de todo o bem que devias fazer e não fizeste, ou o fizeste mal: manifeste-se a intenção e os meios, com que entraste no estado eclesiástico, no benefício; o modo como cumpriste os testamentos, os legados pios, e distribuíste os bens eclesiásticos; como viveste na qualidade de Sacerdote.
            Dá-Me conta da celebração e aplicação do Sacrifício da Missa, da reza do Ofício divino, dos estudos, da catequese, da prédica, do exemplo, dos conselhos, das correções, etc.
            Se és Confessor, dá-Me conta de como despediste os penitentes; se com pressa, por interesse ou respeitos humanos; de como interrogaste, admoestaste, curaste e absolveste os ignorantes, os consuetudinários, os ocasionários, os indispostos.
            Se fores Pároco ou Superior, de quem depende todo o bem e todo o mal dos súditos, dá-me conta de como vigiaste, guardaste e apascentaste as almas que te entreguei[2].
            Prostrado a Meus pés, filho, examina, um por um, atentamente estes artigos: só um deles pode ser bastante para te condenar. Prepara-te, enquanto é tempo, o qual desaparece a cada momento. Se neste dia, nesta noite, ou nesta hora te colhesse a morte, e eu te chamasse a contas, que seria de ti?
            II. — Quantos Sacerdotes se condenaram, somente por terem sido inúteis! Quantos outros Me dirão: Grande Deus, porventura não pregamos o Vosso nome, não profetizamos, não expulsamos demônios? Não fizemos em Vosso nome muitos e estupendos milagres? Mas verás como Eu os repelirei da Minha presença, protestando que nunca os conheci por Meus!
            Não, filho, naquele dia nada valerá a palha inútil, nem a bela folhagem da aparência, que o mundo aplaude; só quem tiver edificado sobre Mim, com ouro maciço de acrisolada virtude, será premiado.
          Se quem viveu ocioso, quem trabalhou sem reta intenção, se até os mesmos justos apenas se salvarão; que será de ti, se vives como pecador escandaloso e ímpio?
            Quem recebeu mais que os outros, também dará mais rigorosas contas. Ora tu, que foste cumulado de especialíssimos benefícios; tu, que tens tido tanto tempo, tantas luzes, tantas graças, tantos talentos, tantas comodidades, tantos estímulos, tão sublime poder, feito quase um outro Eu, quererás que os Meus dons se te convertam em argumento da mais severa condenação?[3]
            Quem é mais que os outros, será mais rigorosamente julgado. O Meu juízo será duríssimo com os que governam. Com os fracos, com os pobrezinhos uso de misericórdia; mas os poderosos hão de ser julgados com todo o rigor, e hão de experimentar todo o peso do Meu braço onipotente[4].
            Que será pois de ti, filho, cuja dignidade excede a todas as dignidades, e cujo poder é superior ao dos mais poderosos do mundo?
            III. — Que desculpa alegará naquele dia? A ignorância? Mas, se recebeste tantas luzes, se tinhas rigorosa obrigação de te aproveitar delas, se de mais a mais te lisonjeiras de saber tudo; as escolas, os livros, os púlpitos, etc., te arguirão da tua ignorância crassa, ou da tua mais que horrenda malícia.
            Alegarás a fragilidade? Mas, vendo que tantos Sacerdotes, tantos leigos, tantos mais fracos que tu, com menos comodidades e mais tentados fizeram tanto bem para si e para o próximo, como alegarás a falta de forças e de talentos?
            Dirás que outros Sacerdotes viviam assim, e que, se vivesses d’outra sorte, te escarneciam? Mas salvar-te-ão os conselhos e motejos dos mundanos naquele dia, quando vires, em turba, os conselheiros e escarnecedores perdidos?
            Eu mesmo, filho, te adverti que os desprezasses, que te fizesses violência, que não seguisses o costume dos mundanos, mas sim as Minhas máximas e os Meus exemplos; e te prometi que seria a tua vida; e tu, encostando-te a vãos pretextos e mentidas desculpas, quererás, a despeito do Meu amor, afrontar uma condenação, tanto mais terrível, quanto mais graves são os teus deveres, as graças e dignidade que recebeste?
            Fruto. — Despreza os juízos do mundo; o teu Juiz é Deus. Julga-te a ti mesmo, antes que venha aquele Deus, que há de julgar a mesma justiça, e as mais santas obras, não segundo os juízos do mundo, mas segundo as balanças do santuário[5]. S. Jerônimo, depois duma vida tão austera e tão santa, empregada toda em serviço da Igreja, temia continuamente o Juízo, parecendo-lhe a cada momento ouvir o som da trombeta, que o citava para o grande tribunal.
            Santo Agostinho, pensando que havia de dar conta de si e dos outros, se considerava como debaixo dos pés de todos, e se recomendava a suas orações, temendo e tremendo de sofrer mais terrível condenação, por serem mais graves os seus deveres.
            VI. — Infeliz de ti, filho, se não procuras viver como Sacerdote! O dia do Juízo será para ti dia de horror, dia de angústia e de trevas.
            Para tomar vingança de tens crimes armarei contra ti o Céu, a terra, os elementos, os Anjos, os demônios, todas as criaturas. Todos os Santos, que agora podiam ser teus protetores, empunharão comigo a espada vingadora. Minha Mãe, Maria Santíssima, agora Mãe de misericórdia, te aparecerá então terrivelmente irada.
            Ver-Me-ás, com todo o fulgor da Minha majestade onipotente, arrojar sobre ti a Minha ira, qual aguda lança, para te conculcar com todo o Meu furor. Com que ânimo comparecerás em Minha presença, sabendo que mereces toda a Minha indignação?
            V. — Tudo quanto procuraste ocultar ao Confessor, ao Superior, ao mundo, a ti mesmo, será então publicado.
            Que imensa perturbação sentirás, vendo-te acusado por tua própria consciência, confundido por tantos Sacerdotes, por tantos correligiosos, por teus mesmos fundadores, cujas virtudes não imitaste, por tantos leigos que no século se santificaram, pelos mesmos infiéis, menos culpados que tu?
            Surgirão contra ti os pobres que não socorreste, por saciar tuas paixões e sustentar animais de regalo; clamarão vingança os ignorantes que não instruíste, os pecadores que não converteste, os cúmplices pervertidos, todas as almas por tua culpa condenados:[1] as mesmas pedras do altar, a madeira dos púlpitos, as tábuas do confessionário bradarão contra tuas omissões e teus sacrilégios!
            Até agora tenho-Me calado; mas então levantarei a Minha voz! E que responderás, filho, às amargas repreensões por tantos crimes públicos, pelo abuso de tantas graças, pela omissão e traição de tantos deveres?
           VI. — Agora tens mil modos de iludir a ação da justiça do mundo; mas naquele dia nem pretextos, nem subornos, nem protetores, nem teu mesmo caráter te poderão subtrair ao rigor da minha justiça.
            Ser-te-ão arrancadas dos ombros as vestes sacerdotais, e ver-te-ás ignominiosamente degradado à face de todo o mundo[2].
            Oh! Quão desesperada será a tua consternação ao ver-te fulminado, pela mais terrível sentença, a tormentos os mais cruciantes, irrevogáveis, eternos; sem piedade, sem apelação, sem escapatória! Com que raiva verás subirem ao Céu, entre os santos eleitos do Senhor, aqueles rústicos e plebeus, aquelas mulherzinhas devotas, por ti escarnecidas e desprezadas; até os mesmos publicanos e meretrizes convertidas e penitentes; e tu, porção escolhida, ires habitar com os hipócritas e infiéis![3]
            Quererás pois tu, Sacerdote, que Eu, morto por ti nesta cruz, seja a tua ruína e ruína tanto maior para ti, com relação aos leigos, quanto teus pecados foram mais graves que os deles? Quererás que o Meu mesmo corpo e o Meu sangue, que tantas vezes tens recebido, seja tua maior pena e a maior causa da tua condenação?
            Eia, filho, não sejas assim: não Me obrigues, com tua resistência, a condenar-te. Repara bem que hoje quero ser para ti atentíssimo Pai, e então hei de ser severíssimo Juiz.
            Fruto. — No dia do Juízo não te servirão de escusa a ignorância nem a fragilidade, nem o exemplo dos Sacerdotes relaxados.
            Acusa-te agora de todas as tuas faltas, especialmente das de omissão. Faze sincera penitência do passado; e para o futuro empenha-te em conformar todas as tuas ações com teu elevado ministério.
       Traze sempre na memória que és sacerdote: pensa a miúdo em tuas grandes obrigações, e no grave peso que sobre ti tomaste com o sacerdócio. Faze contigo mesmo, todos os dias, te diz S. Gregório, aquelas contas que, um dia, hás de fazer com o supremo Juiz.


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