MARIA DESPEDE-SE DOS APÓSTOLOS E DISCÍPULOS
737. Mestra de humildade e de
obediência até a morte, respondeu que obedeceria, pedindo a todos a bênção, e
que não lhe recusassem este consolo.
Consentindo-o São Pedro, saiu da
tarima e pondo-se de joelhos ante o mesmo apóstolo, disse-lhe: A vós, Senhor,
como pastor universal e cabeça da santa Igreja, suplico que em vosso nome, e no
dela, me deis vossa santa bênção e perdoeis a esta vossa serva o pouco que vos
servi nesta vida, para dela partir à eterna. Se for de vossa vontade, dai licença
a João para dispor de minhas vestes, duas túnicas, dando-as a umas donzelas
pobres a cuja caridade devo obrigação.
Prostrou-se e beijou os pés de São
Pedro, com abundantes lágrimas e não menor admiração e pranto do mesmo apóstolo
e de todos os circunstantes. De São Pedro passou a São João e ajoelhada também
a seus pés, disse: Perdoai, meu filho e senhor, de nào haver cumprido convosco
o ofício de Mae, como ordenou o Senhor quando, na cruz, vos designou por meu
filho, e a Mim por Mãe vossa (Jo 19, 27). Dou-vos humildes e reconhecidas graças
pela piedade filial com que me assististes. Dai-me vossa bênção para subir à
eterna companhia e visão daquele que me criou.
ÚLTIMAS RECOMENDAÇÕES DE MARIA SANTÍSSIMA
738. A amorosa Mãe continuou esta
despedida, falando a cada um dos apóstolos, com alguns discípulos e depois a
todos os circunstantes reunidos, que eram muitos. Terminado, levantou-se e
disse a todos os presentes: Meus caríssimos filhos e senhores, sempre vos tive
em minha alma e gravados em meu coração, amando-vos ternamente com a caridade e
amor que meu Filho santíssimo me comunicou, e a quem sempre vi em vós, como
seus escolhidos e amigos.
Por sua vontade santa e eterna,
vou para a morada celestial, de onde vos prometo, como Mãe, vos ter presente na
claríssima luz da Divindade, cuja visão minha alma deseja e, com certeza,
espera receber. Encomendo-vos a Igreja, minha mãe, com a exaltação do santo
nome do Altíssimo, a propagação de sua lei evangélica, a estima e apreço das
palavras de meu Filho santíssimo, a memória de sua vida e morte, a prática de
toda sua doutrina.
Amai, filhos meus, a santa
igreja, e uns aos outros de todo coração, com aquele vínculo de caridade e paz
que vosso Mestre sempre vos ensinou (Jo 13, 34). E a vós, Pedro, santo pontífice,
encomendo João, meu filho, e a todos os mais.
CRISTO OFERECE À SUA MÃE ISENTÁ-LA DA MORTE
739. Maria santíssima terminou.
Suas palavras, quais flechas de fogo divino, penetraram e derreteram o coração
dos ouvintes que desataram a chorar, prostrados em terra e enternecendo-a com
suas lágrimas e gemidos. A tema Mãe também chorou, não querendo resistir a tão
amargo e justo pranto de seus filhos. Depois de algum tempo, Ela pediu que, com
Ela e por Ela, todos rezassem em silêncio. Nesta serena quietude, desceu do céu
o Verbo humanado em trono de inefável glória, acompanhado por todos os santos
da natureza humana e de inumeráveis coros de anjos, enchendo a casa do Cenáculo
de glória.
Maria santíssima adorou o Senhor,
beijou-lhe os pés, e prostrada ante eles fez o último e profundíssimo ato de
reconhecimento e humildade na vida mortal. Mais do que todos os homens que,
depois de suas culpas se humilharam ou se humilharão, esta puríssima criatura e
Rainha das alturas, aniquilou-se e se apegou ao pó.
Seu Filho santíssimo deu lhe bênção,
e na presença da comitiva celeste disse-lhe estas palavras: Minha Mãe caríssima,
a quem escolhi para minha habitação chegou a hora em que passareis da vida
mortal, e do mundo, à glória de meu Pai e minha, onde vos está preparado à
minha direita o lugar que gozareis por toda a eternidade.
Como vos fiz entrar no mundo,
livre e isenta da culpa, também ao sair dele, a morte não tem licença nem
direito de vos atingir. Se não quiserdes passar por ela, vinde comigo, e
recebereis a glória que tendes merecido.
MARIA DESEJOU PASSAR PELA MORTE
740. Prostrou-se a prudentíssima
Mãe ante seu Filho, e com alegre semblante respondeu: Meu Filho e Senhor, suplico-vos
que vossa Mãe e serva entre na vida pela porta comum da morte natural como os
demais filhos de Adão. Vós, meu verdadeiro Deus, a padecestes sem obrigação de
morrer; justo é que, tendo procurado vos seguir no viver, eu vos acompanhe também
no morrer.
Aprovou Cristo, nosso Salvador o
sacrifício e vontade de sua Mãe santíssima, e disse que se cumprisse o que Ela
desejava. Os anjos começaram a cantar, com celestial harmonia, alguns versos
dos cânticos de Salomão e outros novos.
Da presença de Cristo, nosso
Salvador, só alguns apóstolos como São João tiveram especial ilustração. Os
demais sentiram em seu íntimo divinos efeitos. A música dos anjos, porém, foi
sensivelmente ouvida, tanto pelos apóstolos e discípulos, como por outros
muitos fiéis que ali se encontravam. Desprendeu-se também uma fragrância divina
que, com a música, era percebida até na rua. A casa do Cenáculo encheu-se de
admirável resplendor visto por todos, dispondo o Senhor que, para testemunhas
desta nova maravilha, concorresse muita gente que andava pelas ruas de Jerusalém.
TRÂNSITO DA MÃE DE DEUS
741. Quando os anjos principiaram
a música, Maria santíssima reclinou-se no leito, a túnica ficou-lhe como que
unida ao corpo, as mãos juntas, o olhar fixo em seu Filho santíssimo e toda
abrasada na chama de seu divino amor.
Quando os anjos chegaram àqueles
versos do capítulo II dos Cânticos (v. 10): Levanta-te, apressa-te, minha
amiga, pomba minha, formosa minha e vem, que o inverno já passou, etc. A estas
palavras, Ela pronunciou aquelas de seu Filho na cruz: Em tuas mãos, Senhor,
encomendo meu espírito (Lc 23, 46). Cerrou os virginais olhos e expirou.
A enfermidade que lhe tirou a
vida foi o amor, sem qualquer outro ataque ou acidente. O poder divino
suspendeu a ação miraculosa com que lhe conservava as forças naturais, para não
se consumirem no ardor sensível que lhe causava o fogo do amor divino. Cessando
este milagre, o amor produziu seu efeito, consumiu a umidade radical do coração
e assim lhe faltou a vida.
IDADE DA MÃE DE DEUS
742. Aquela alma puríssima passou
de seu virginal corpo à destra e trono de seu Filho santíssimo onde, num
instante, foi colocada com imensa glória. Começou-se a ouvir que a música dos
anjos ia se afastando na região do ar, porque a procissão dos anjos e santos,
acompanhando seu Rei e Rainha, encaminhou-se para o céu empíreo.
O sagrado corpo de Maria santíssima
que fora templo e sacrário de Deus vivo, ficou cheio de luz e resplendor,
desprendendo tão admirável fragrância, que encheu a todos os circunstantes de
suavidade interior e exterior. Os mil anjos custódios de Maria santíssima
ficaram guardando o precioso tesouro de seu virginal corpo. Os apóstolos e discípulos,
entre lágrimas de dor e alegria, pelas maravilhas que presenciaram,
permaneceram absortos por algum tempo e, em seguida, cantaram muitos hinos e
salmos em honra da falecida Senhora.
O glorioso trânsito da grande
Rainha do mundo verificou-se a treze de agosto, sexta-feira as três horas da
tarde, como o de seu Filho santíssimo. Contava setenta anos de idade, menos os
vinte e seis dias que vão de treze de agosto em que morreu, até oito de
Setembro em que nasceu, e no qual completaria os setenta anos.
Depois da morte de Cristo nosso
Salvador, a divina Mãe viveu no mundo vinte e um anos, quatro meses e dezenove
dias, sendo o ano cinqüenta e cinco de seu virginal parto.
É fácil fazer o calculo: Quando
Cristo nosso Salvador nasceu, a Virgem Mãe tinha quinze anos, três meses e
dezessete dias. O Senhor viveu trinta e três anos e três meses. Ao tempo de sua
sagrada Paixão estava Maria santíssima com quarenta e oito anos, seis meses e
dezessete dias. Acrescentando a estes os outros vinte e um anos, quatro meses e
dezenove dias, fazem os setenta anos menos vinte e cinco ou seis dias.
PRODÍGIOS SUCEDIDOS NA MORTE DA VIRGEM
743. Grandes maravilhas e prodígios
sucederam na preciosa morte da Rainha. O sol eclipsou-se, como disse acima, e
em sinal de luto escondeu sua luz por algumas horas. À casa do Cenáculo
acorreram muitas aves de diversa espécies e, com tristes gorjeios, estiveram
algum tempo se lamentando e provocando o pranto de quem as ouvia.
Toda Jerusalém se comoveu e,
admirados, vinham muitos confessando em alta voz o poder de Deus e a grandeza
de suas obras. Outros ficavam atônitos e fora de si. Os apóstolos e discípulos,
com outros fiéis, se desfaziam em lágrimas. Acorreram muitos enfermos e todos
foram curados. Saíram do purgatório as almas que lá estavam.
O maior prodígio foi o seguinte:
na mesma hora de Maria santíssima, expiraram três pessoas; um homem em Jerusalém
e duas mulheres vizinhas do Cenáculo. Morreram em pecado, sem penitência e iam
ser condenadas. A dulcíssima Mãe, porém, pediu misericórdia para eles no
tribunal de Cristo. Alcançou que fossem restituídos à vida que então
modificaram, de modo a viver na graça e se salvar. Este privilégio não se
estendeu a outros que naquele dia morreram no mundo, mas só àqueles três que se
verificaram à mesma hora em Jerusalém.
O que sucedeu no céu e quão
festivo foi este dia na Jerusalém triunfante descreverei noutro capítulo, para
não o mesclar com o luto dos mortais.