MISTICA CIDADE DE DEUS – TERCEIRO TOMO – 5º LIVRO - CAPÍTULO 15
Maria reza por São José
Maria reza por São José
873. Já fazia oito anos que as enfermidades vinham
purificando, no crisol da paciência e do amor divino, o generoso espírito do
feliz São José. Agravando-se com os anos, iam diminuindo suas forças,
desfalecendo o corpo e aproximando-se o inevitável termo da vida, pagamento do
estipêndio da morte, dívida comum de todos os filhos de Adão (Heb 9, 27).
Aumentava também o cuidado e solicitude de sua divina Esposa, nossa Rainha, na
sua assistência e pontualíssimo serviço.
Conhecendo a amantíssima Senhora, com sua rara sabedoria,
que estava próximo o dia de seu castíssimo Esposo deixar este pesado desterro,
foi à presença de seu Filho santíssimo e lhe disse: Senhor e Deus altíssimo,
Filho do Eterno Pai e Salvador do mundo, em vossa divina luz vejo que está a
chegar o tempo determinado por vossa vontade etema, para a morte de vosso servo
José. Suplico-vos, por vossas antigas misericórdias e infinita bondade, que o
braço poderoso de vossa majestade o assista nesta hora. Que sua morte seja preciosa
a vossos olhos (SI 115, 15), como foi agradável a retidão de sua vida. Parta em
paz, com a certeza de receber a eterna recompensa, no dia em que vossa dignação
abrir as portas do céu para todos os crentes. Lembrai-vos, meu Filho, do amor e
humildade de vosso servo, de seus grandes méritos e virtudes, de sua fidelidade
e solicitude por mim, e de como alimentou a vós, Senhor, e a Mim vossa serva,
com o suor de seu rosto.
Resposta de Jesus
874. Respondeu-lhe nosso Salvador: Minha Mãe, vossos pedidos
me são agradáveis, e em minha presença se encontram os merecimentos de José. Eu
o assistirei agora, e a seu tempo, lhe darei lugar entre os príncipes de meu
povo (SI 115,15). Será tão eminente que admirará aos anjos e dará motivo de
louvor para eles e os homens. Com nenhuma geração farei o mesmo que para vosso
Esposo.
Agradeceu a grande Senhora esta promessa a seu querido
Filho. Durante nove dias antes da morte de São José, Filho e Mãe santíssimos o
assistiram dia e noite sem o deixarem só. Nestes nove dias, por ordem do
Senhor, os anjos vinham três vezes por dia, cantar ao feliz enfermo, louvando
ao Altíssimo e celebrando as graças do próprio José. Naquela humilde, porém
riquíssima casa, sentia-se suavíssima fragrância de perfumes tão agradáveis,
que confortava não só o santo homem, como a muitos que o sentiam de fora, até
onde se difundia.
São José, precursor de Cristo no Limbo
875. Um dia antes da morte, todo inflamado no divino amor,
teve um êxtase altíssimo que lhe durou vinte e quatro horas. Milagrosamente
conservou-lhe o Senhor as forças e a vida, e neste sublime arrebatamento viu
claramente a divina essência. Nela lhe foram manifestados, sem véu, tudo quanto
crera pela fé: a incompreensível Divindade, os mistérios da Encarnação e da
Redenção e a Igreja militante com todos os sagrados bens que a ela pertencem.
A Santíssima Trindade nomeou o precursor de Cristo, nosso
Salvador, junto aos santos Pais e Profetas que se encontravam, no Limbo. Ordenou
que lhes participasse novamente sua redenção e os preparasse para esperar a
visita que o Senhor lhes faria, a fim de tirá-los do seio de Abraão e levá-los
à eterna felicidade.
Maria santíssima conheceu estes fatos no interior da alma de
seu Filho, na mesma forma de outros mistérios e como tinham sido concedidos a
São José. Por tudo, a grande Princesa deu dignas graças ao Senhor.
São José despede-se de Maria
876. Saiu São José deste rapto, com o rosto banhado de
admirável resplendor e beleza, e com a mente toda deificada pela visão do Ser
divino. Pediu a bênção de sua Esposa santíssima, mas Ela pediu ao Filho que lha
desse, o que Ele o fez. Em seguida, de joelhos, a mestra da humildade pediu a
São José que também a abençoasse como seu esposo e su-perior. Por divino
impulso, e para consolo da prudentíssima Esposa, o homem de Deus abençôou-a e
d'Ela se despediu. Ela beijou-lhe a mão com que a abençoou, e pediu-lhe que, em
nome dela, saudasse os santos Pais do limbo.
Para que o humilíssimo José cerrasse o testamento de sua
vida com o selo desta virtude, pediu perdão à sua divina Esposa do que em seu
serviço e estima havia faltado, como homem fraco e terreno. Suplicou-lhe que,
naquela hora, não lhe faltasse a assistência e a intercessão de seus rogos. A seu
Filho santíssimo o santo Esposo agradeceu também os benefícios que, durante
toda a vida, recebera de sua liberalidade, em particular naquela enfermidade.
As últimas palavras que São José dirigiu à Maria, foram:
Bendita sejais entre todas as mulheres, escolhida entre todas as criaturas. Os
anjos, os homens e todas as gerações conheçam, exaltem e engradeçam vossa
dignidade. Por vós, seja conhecido, adorado e exaltado o nome do Altíssimo em
todos os futuros séculos. Seja eternamente louvado por vos ter criado tão
agradável a seus olhos e dos de todos os espíritos bem-aventurados. Espero
gozar de vossa vista na pátria celestial.
São José despede-se de Jesus e expira
877. Voltou-se o Homem de Deus para Cristo, Senhor nosso, e
para lhe falar com profunda reverência, tentou por-se de joelhos no chão. O
amoroso Jesus, porém, amparou-o nos braços. Com a cabeça neles reclinada,
disse-lhe o Santo: Senhor meu e Deus altíssimo, Filho do eterno Pai, Criador e
Redentor do mundo, abençoai a vosso escravo e obra de vossas mãos. Perdoai, Rei
piedosíssimo, as faltas que, indigno, cometi em vosso serviço e companhia. Eu
vos reconheço, exalto e com submisso coração vos dou eternas graças por terdes
vos dignado escolher-me, entre todos os homens, para esposo de vossa verdadeira
Mãe. Vossa própria grandeza e glória sejam meu agradecimento por toda a
eternidade.
O Redentor do mundo lhe deu a bênção e disse: Meu pai,
descansai em paz, na graça de meu Pai celeste e minha. Aos profetas e Santos
que vos esperam no Limbo, dareis feliz notícia de que se aproxima sua redenção.
A estas palavras de Jesus, e nos seus braços, expirou o
felicíssimo José, e o Senhor lhe cerrou os olhos.
A multidão dos anjos que assistiam com sua Rainha e Rei
supremo, entoaram com voz celestial cânticos de louvor. A mandado de Jesus,
levaram a alma santíssima de José ao limbo dos Pais e Profetas. Todos o
reconheceram como Pai putativo do Redentor do mundo, cheio de resplendores de
incomparável graça, íntimo do Senhor, digno de singular veneração.
Participando-lhes, conforme a ordem do Senhor, a proximidade
de sua libertação, causou grande alegria àquela inumerável congregação de
santos.
São José morreu de amor
878. Não se deve passar em silêncio que a preciosa morte de
São José, ainda que precedida por enfermidade e dores tão prolongadas, não foi
consequência delas. Sua vida poderia, naturalmente, ter se prolongado, não
fossem os efeitos do ardentíssimo fogo de amor que ardia em seu retíssimo
coração. Para que esta morte felicíssima fosse mais triunfo do amor, do que
pena de culpas, o Senhor suspendeu a açâo especial e milagrosa com que
conservava as forças naturais do seu servo, impedindo que fossem vencidas pela
violência do amor. Faltando aquele apoio a natureza se rendeu, e soltou o laço
que detinha aquela alma santíssima nas prisões da mortalidade do corpo,
separação na qual consiste nossa morte. Deste modo, o amor foi a última
enfermidade, a maior e mais feliz, pois a morte que ela produz é sono para o
corpo e princípio de verdadeira vida.
Sepultamento de São José
879. Vendo que seu Esposo falecera, a grande Senhora dos
céus preparou seu corpo para o sepultamento. Vestiu-o conforme o costume, sem
que outras mãos o tocassem, a não ser os santos anjos que, em forma humana, a
ajudaram. Em atenção ao honestíssimo recato da Virgem Mãe, o Senhor revestiu o
corpo de São José com admirável resplendor, deixando à vista apenas o rosto.
Assim, a puríssima Esposa não o viu, ainda que o vestiu para o enterro.
A fragrância que dele se desprendia atraiu algumas pessoas
que, vendo-o tão belo e flexível como se fora vivo, encheram-se de grande
admiração. Vieram os conhecidos, parentes e muitas outras pessoas. Reunindo-se
ao Redentor do mundo, à Mãe santíssima e à grande multidão de anjos, levaram o
glorioso corpo de São José à sepultura.
Em todas estas ações, a prudentíssima Rainha conservava sua
compostura e gravidade, sem se alterar com trejeitos mulheris. A dor não a
impediu de providenciar a tudo o que era necessário, ao serviço de seu falecido
Esposo e de seu Filho santíssimo. Tudo cabia no real e magnânimo coração da
Senhora das gentes.
De novo a sós com seu Filho e Deus verdadeiro, agradeceu-lhe
por todos os favores concedidos a seu santo Esposo. Em sublime ato de
humildade, prostrada na presença de seu Filho, disse-lhe estas palavras: Senhor
de todo meu ser, meu verdadeiro Filho e Mestre, a santidade de José, meu
esposo, pôde deter-vos até agora, fazendo-nos merecer vossa desejável presença.
Com a morte de vosso amado servo, posso recear perder o bem que não mereço.
Obrigai-vos, Senhor, por vossa mesma bondade, a não me desamparar. Recebei-me
de novo por vossa serva, aceitando os humildes desejos e ânsias do coração que
vos ama. Aceitou o Salvador do mundo este novo oferecimento de sua Mãe
santíssima, e prometeu-lhe que não a deixaria só, até chegar o tempo de começar
a pregar, em obediência ao eterno Pai.
DOUTRINA DA RAINHA DO CÉU MARIA SANTÍSSIMA
A hora da morte
880. Minha caríssima filha, não é sem motivo que teu coração
sentiu particular compaixão pelos que se acham em perigo de morte, desejando
ajudá-los nessa hora. Realmente, conforme entendeste, naqueles momentos sofrem
as almas incríveis e perigosos trabalhos por parte das ciladas do demónio, da
própria natureza e dos objetos visíveis. Aquele instante é o termo do processo
da vida que receberá a última sentença: de morte ou de vida etema, de pena ou
glória perpétua.
O Altíssimo, que te inspirou aquele desejo, quer aceitá-lo
para que o executes. De minha parte, te confirmo o mesmo e te admoesto a
colaborares com todo esforço possível para nos obedecer. Adverte, pois, amiga:
quando Lúcifer e seus ministros das trevas reconhecem, pelos acidentes e causas
naturais, que a pessoa está com perigosa e mortal enfermidade, imediatamente
preparam toda sua malícia e astúcia, para investir contra o pobre e ignorante
enfermo, e tentar derrubá-lo com diversas tentações. Como a esses inimigos está
a terminar o prazo de perseguir a alma, querem suprir a falta de tempo pela
violência da ira e maldade.
Os últimos combates
881. Para isto, reunem-se como lobos carniceiros, e examinam
de novo o estado do enfermo: seu temperamento natural ou adquirido, suas
inclinações, hábitos e costumes, e qual seu lado fraco por onde atacá-lo mais.
Aos que têm desordenado apego á vida, persuadem que o perigo não é tanto e
impedem que outros o avisem. Aos que foram remissos e negligentes no uso dos
sacramentos, re-forçam-lhe a tibieza, sugerem-lhes maiores dificuldades e
adiamentos, para que morram sem eles ou os recebam sem fruto e com más
disposições. A outros, propõem sugestões de vergonha, para não abrirem suas
consciências e declararem seus pecados. A estes, embaraçam e retardam, para não
manifestarem seus compromissos e não desenredarem a consciência. Àqueles que
amam a vaidade, lhes propõem ordenar, naquela última hora, muitas coisas vãs e
soberbas, para serem cumpridas depois de sua moite. Aos avarentos e sensuais
inclinam com muita força ao que cegamente amaram.
De todos os maus hábitos e costumes, vale-se o cruel inimigo
para arrastá-los atrás de objetos e assim lhes dificultar ou impossibilitara
salvação. Cada ato pecaminoso praticado durante a vida, e que contribui à
aquisição de hábitos viciosos, constitui penhor e arma para o comum inimigo
lhes fazer guerra naquela tremenda hora da morte. Cada apetite satisfeito,
abre-lhe o caminho para penetrar na fortaleza da alma. Uma vez dentro dela,
lança-lhe seu depravado hálito e levanta densas trevas que são seu efeito. Tudo
isto para que não acolham as divinas inspirações, não tenham verdadeira
contrição de seus pecados e não façam reparação de sua má vida.
Desprezo dos meios de salvação
882. Geralmente fazem estes inimigos grande estrago naquela
hora, sugerindo a ilusória esperança de que os enfermos ainda viverão, e com o
tempo poderão executar o que, no momento, Deus lhes inspira por seus anjos. Com
esta ilusão se enganam e perdem. Grande é também, naquela hora, o perigo dos
que durante a vida desprezam o socorro dos santos sacramentos.
Este desprezo, muito ofensivo ao Senhor e aos santos, a
divina justiça costuma castigar abandonando estas almas ao próprio conselho,
pois não quiseram se aproveitar do remédio no tempo oportuno. Tendo-o
desprezado, merecem, por justos juízos, serem desprezados na última hora, para
a qual prorrogaram com louca ousadia, a busca da salvação eterna. Poucos são os
justos a quem no último combate, a antiga serpente não ataca com incrível
sanha. Se aos grandes santos pretendem então derribar, que podem esperar os
viciosos, negligentes e cheios de pecados? Estes, que empregam toda a vida para
desmerecer a graça e favor divino e não possuem as obras que os possam defender
contra o inimigo?
Meu santo esposo José foi um dos que gozaram o privilégio de
não ver nem sentir o demónio naquele transe. Quando os malignos tentaram se
aproximar, sentiram que uma força poderosa os mantinha distantes, e foram pelos
santos anjos, repelidos e precipitados no abismo. Ao se sentirem tão oprimidos
e aterrados - a teu modo de entender - ficaram confusos, sobressaltados e
aturdidos. Isto deu motivo para Lúcifer reunir no inferno uma junta ou
conciliábulo, investigando se, por acaso, nele já se encontrava o Messias.
Tal vida, tal morte
883. Daqui compreenderás o grande perigo da morte, e quantas
almas perecem naquela hora, quando começam a frutificar os méritos e os
pecados.
Não te declaro os muitos que se condenam, para não morreres
de pena, se tens verdadeiro amor ao Senhor. A regra geral, porém, é que à
virtuosa vida segue-se boa morte; o resto é duvidoso, raro e contingente. O
remédio e segurança é prevenir-se muito antes. Por isto, advirto-te que, ao
veres a luz no amanhecer de cada dia, penses ser aquele o último de tua vida.
E, como se de fato fosse, pois não sabes se o será, ordenes tua alma de modo a
receber alegremente a morte, se ela vier. Não demores um instante em te
arrependeres dos pecados, com propósito de os confessar se os tiveres, e
emendar até a mínima imperfeição.
Não deixes em tua consciência falta alguma repreensível, sem
te doeres e te lavares com o sangue de Cristo, meu Filho santíssimo. Põe-te no
estado em que possas aparecer na presença do justo Juiz, que te examinará e
julgará até o mínimo pensamento e movimento de tuas potências.
Orar pelos agonizantes
884. Para ajudares, como desejas, aos que estão naquele
perigoso fim, em primeiro lugar aconselha a todos o mesmo que te advirto:
cuidem da alma durante a vida e assim terão feliz morte. Além disso, rezarás
nessa intenção todos os dias, sem falta. Fervorosamente, suplica ao
Todo-poderoso que aniquile os enganos do demônio, quebre os laços e ciladas que
armam aos agonizantes, e sejam humilhados por sua destra divina.
Sabes que eu fazia tal oração pelos mortais, e quero que me
imites nisso. Do mesmo modo te ordeno que, para mais ajudá-los, mandes aos
demônios que
deles se afastem e não os oprimam. Bem podes usar deste
poder, mesmo que não este-
jas presente, pois o está o Senhor em cujo nome hás de
subjugá-los, para maior honra
e glória de Deus.
A morte das religiosas
885. As tuas religiosas, em tais ocasiões, esclarece no que
devem fazer, sem perturbá-las. Admoesta-as para que recebam os santos
sacramentos e sempre os frequentem. Procura animá-las e consolá-las
falando-lhes das coisas de Deus, de seus mistérios e Escrituras. Que seus bons
desejos e afetos despertem e as disponham para receber a luz e influência do
alto. Fortalece-lhes a esperança, encoraja-as contra as tentações e ensina-lhes
como deverão resistir a elas e vencê-las. Procura conhecê-las, e mesmo que a
paciente não as revelar, o Altíssimo te dará luz,para as entenderes e aplicar a
cada uma o conveniente remédio, porque as enfermidades espirituais são difíceis
de se conhecer e curar.
Tudo o que te admoesto deverás praticar, como filha
caríssima, em obséquio do Senhor, e eu alcançarei de sua grandeza alguns
privilégios para ti e para os que desejares ajudar naquela temível hora. Não
sejas escassa na caridade, pois não agirás pelo que és, mas sim pelo que o
Altíssimo quiser fazer por meio de ti.