Por São Leonardo
Porto-Maurício
(Do Livro: EXCELÊNCIAS da SANTA MISSA de 1737)
I
O bem-aventurado João, o Bom,
de Mântua, levou um eremita seu companheiro a compreender esta
verdade. Este não conseguia persuadir de que a palavra de um padre
tivesse o poder de mudar a substância do pão, no Corpo de JESUS
CRISTO, e a do vinho em seu Sangue; e, o que é mais deplorável,
tinha cedido a essa tentação diabólica. O servo de DEUS percebeu o
erro do companheiro, e, conduzindo-o a beira de uma fonte, aí encheu
de água uma taça e deu-lhe de beber.
Depois de sorver toda a água,
o outro confessou que jamais, em toda a sua vida, provara um vinho
tão delicioso. Então João, o Bom, disse-lhe: “Não vedes o
milagre, meu querido irmão?
Se, por meio de um miserável
como eu, a água se mudou em vinho pela onipotência divina, quanto
mais deveis crer, por meio das palavras do sacerdote, que são
palavras de DEUS, o pão e o vinho mudam-se no Corpo e Sangue de
JESUS CRISTO?
Quem ousaria jamais pôr
limites à onipotência de DEUS?”
Bastou isso para dissipar o
engano do eremita, que, expulsando de seu espírito toda a dúvida,
fez grande penitência por seu pecado.
II
Um espírito, falando pela
boca de uma pessoa, fez com que um judeu incrédulo compreendesse
esta verdade, por meio de uma comparação material e grosseira. O
homem achava-se numa praça com muitas pessoas, entre as quais a
mulher possessa. Nesse momento passou um padre que levava o Santo
Viático a um doente. Todos os presentes se ajoelharam e prestaram
homenagem ao Santíssimo Sacramento. Só o judeu ficou imóvel e não
deu sinal algum de respeito. Vendo isso, a mulher levantou-se
furiosa, arrancou-lhe o chapéu e deu-lhe um vigoroso bofetão,
dizendo-lhe. “Desgraçado, porque não te prostras diante do
verdadeiro DEUS presente neste Divino Sacramento?” – “Que
DEUS?”, replicou o judeu. “Se fosse verdade, a consequência
seria haver muitos deuses, pois, ao celebrarem a Santa Missa ele
estaria em cada um dos vossos altares”.
A estas palavras, o espírito,
que habitava naquela mulher, tomou um crivo e opondo-se ao sol,
disse ao judeu que olhasse os raios filtrando-se pelos buracos. Em
seguida ajuntou: “Dize-me, judeu, há então muitos sóis passando
pelas aberturas deste crivo, ou um só?” E, à resposta do judeu de
que não havia senão um sol, a mulher replicou. “Por que te
espantas, então, de que DEUS, feito Homem e feito Sacramento, possa
ter, por um excesso de amor, uma presença real e verdadeira sobre
vários altares, permanecendo, no entanto, uno, indivisível e
imutável?” Foi o suficiente para confundir a incredulidade do
judeu, que por esse raciocínio se viu constrangido a confessar a
verdade de nossa Fé.
III
Para isto, quando participamos
da Santa Missa, devemos imitar Afonso de Albuquerque. Achando-se, com
sua frota, em perigo de naufragar numa horrível tempestade, teve uma
inspiração: tomou nos braços uma criança que viajava em sua nau,
e, elevando-a ao alto, exclamou: “Se todos somos pecadores, esta
criaturinha é certamente sem mácula, Ah! Senhor por amor deste
inocente compadecei-vos dos culpados!” Acreditareis? A vista dessa
criança inocente agradou tanto a DEUS, que Ele acalmou o mar e
devolveu a alegria àqueles infelizes, gelados já pelo terror da
morte certa.
IV
Conta-se de uma santa alma
que, totalmente abrasada de amor a DEUS, traduzia em mil desejos o
ardor de sua ternura: “Ah! meu DEUS, dizia ela, quisera ter tantos
corações e tantas línguas como há de folhas nas árvores, de
átomos no ar e de gotas d´água, para vos amar e louvar como
mereceis. Oh! Se eu tivesse em meu poder todas se consumissem de amor
por vós, contanto que eu vos amasse mais que todas juntas, mais que
todos os Anjos, os Santos e todo o Paraíso!” Certo dia em que tal
desejo repetia com mais fervor do que nunca, ouviu o SENHOR
responder-lhe: “Consola-te, minha filha, pois com uma só Missa que
participas com devoção, dás-me toda esta glória que me desejas, e
ainda mais infinitamente.”
V
Narra São Gregório que uma
pobre mulher encomendava a celebração de Santas Missas, todas as
segundas-feiras, em ação de graças, para o seu marido, que ela
julgava morto, pois ele caíra nas mãos dos bárbaros. Estava vivo,
porém, e durante o tempo em que se celebravam essas Santas Missas, a
cadeias se lhe soltavam dos pés e das mãos e lhe caíam as algemas,
e ele ficava livre e desembaraçado, como, ao libertar-se da
escravidão, pôde contar a sua mulher.
VI
A venerável irmã Francisca
Farnese vivia em contínuos tormentos de amor, por se ver
inteiramente cumulada de benefícios divinos, sem encontrar o meio de
depor tão pesado fardo, dando ao Senhor um
reconhecimento suficiente.
Certo dia apareceu-lhe a Santíssima Virgem e, depondo-lhe nos braços
o divino infante, disse-lhe: “Toma-O, Ele é teu, e saibas dele
servir-te, pois com Ele pagarás todas as tuas dívidas.
VII
Podemos dizer, por isso, que a
Santa Missa é o sol do gênero humano espalhando seus raios sobre
os bons esobre os maus, e alma não há tão pérfida sobre a terra,
que assistindo à Santa Missa, dela não aufira qualquer grande bem,
e muitas vezes mesmo sem nele pensar ou pedi-lo. Santo Antonino conta
que um dia dois jovens libertinos passeavam numa floresta. Um deles
havia assistido à Santa Missa e o outro não. Levantou-se
subitamente furiosa tempestade, e no meio dos trovões e relâmpagos
ouviram eles uma voz que clamava: “Mata! Mata!” No mesmo
instante o raio esbraseou o ar e feriu aquele que não assistira à
Santa Missa. O companheiro apavorado, prosseguiu o caminho buscando
um refúgio, quando ouviu novamente a mesma voz, que repetia. “Mata!
Mata!” O pobre rapaz nada mais esperava senão a morte. Uma outra
voz, porém, respondeu: “Não posso, pois ele assistiu à Santa
Missa. A Santa Missa a que ele assistiu impede-me de feri-lo.” Oh!
Quantas vezes DEUS não vos livrou da morte, ou, pelo menos, de
numerosos e graves perigos, graças às Santas Missas a que tiverdes
assistido! Disso nos assegura São Gregório no quarto de seus
Diálogos: Per auditionem Missae homo liberatur a miltis malis at
periculis, diz o santo Doutor. “Sim, é verdade que aquele que
assiste devotamente à Santa Missa será preservado de muitos males e
perigos, se bem que disto não se aperceba.” Santo Agostinho chega
a afirmar a preservação da morte súbita, o golpe mais terrível
com que a Justiça Divina fere os pecadores.
VIII
Existe certa crença, por
alguns atribuída a Santo Agostinho, de que durante o tempo em que se
assiste à Santa Missa não se envelhece, mas a força e o vigor do
fiel se ocupa saber se isto é ou não verdade, mas digo sem receio
que, mesmo envelhecendo em idade, não se envelhece me malícia,
pois, na expressão de São Gregório, uma pessoa que assiste com
devoção à Santa Missa conserva sua alma no caminho reto.
IX
Foi o que verificou uma mulher
de má vida em Roma. Inteiramente esquecida de sua salvação, não
pensava senão em satisfazer suas paixões, e servia de agente de
satanás para corromper a mocidade. Já não fazia nenhuma boa ação,
a não ser encomendar quase todos os dias uma Santa Missa pelas almas
do Purgatório. Oh! Essas almas, como se pode crer piedosamente,
oraram tão bem por sua benfeitora, que um belo dia, tomada de
profunda contrição de suas faltas, ela abandonou sua casa infame,
foi prostrar-se aos pés de um zeloso confessor, fez sua confissão
geral e pouco tempo depois morreu em consoladoras disposições que
todos ficaram persuadidos de sua salvação eterna. Esta graça tão
admirável foi atribuída à eficácia das Santas Missas que ela
encomendava pelas lamas do Purgatório.
X
Santo Anselmo vos ensina que
uma única Santa Missa assistida ou celebrada por vossa intenção
durante vossa vida, vos será talvez mais útil que mil depois de
morrerdes. Bem compreendera esta verdade aquele rico mercador de
Gênova que ao morrer, não deixou nenhuma disposição para
assegura-se sufrágios. Todos se admiravam de que um homem tão rico,
tão piedoso e generoso para com todo mundo, tivesse sido tão cruel
consigo. Mas, terminados os funerais, encontraram-se lançadas, em um
de seus livros de contas, as grandes caridades que fizera por sua
alma durante a vida. “Missas celebradas por minha alma, dois mil
escudos; para o casamento das jovens, dez mil; para tal santuário,
duzentos, etc.” E no fim lá estava escrito: “Porque quem deseja
o próprio bem, faça-o a si durante a vida, e não conte com os
outros para que lho façam depois de morto.” É provérbio bastante
conhecido que uma vela à frente clareia mais que uma tocha atrás
XI
Era opinião de São João
Crisóstomo, opinião aprovada e confirmada por Gregório, no quarto
de seus Diálogos, que, no momento em que o padre celebra a Missa, os
céus se abrem, e multidões de Anjos descem do Paraíso para
assistir ao santo Sacrifício. São Nilo abade, discípulo do mesmo
São Crisóstomo, afirma que via, quando este santo doutor celebrava,
uma grande multidão daqueles espíritos celestes assistindo os
ministros sagrados em suas augustas funções.
XII
No testemunho de Cesário,
quando ele celebrava a Santa Missa, após o Evangelho virava-se para
o povo e o exortava a um piedoso recolhimento e impunha a todos
guardar o mais rigoroso silêncio, não só proibindo a menor
palavra, mas ainda abstendo-se de tossir ou fazer qualquer ruído. E
era obedecido. Quem quer que assistisse à Santa Missa do santo
Bispo, sentia-se tomado de profundo respeito e comovido até ao
fundo da alma, tirando assim grande proveito e acréscimo de graças
XIII
Mas como encontravam estes
Santos tantas delícias espirituais na celebração da Santa Missa! É
que celebravam como se estivessem em presença de toda a corte
celeste. Assim acontecia realmente a São Bonet, Bispo de Clermont.
Uma noite em que ficara sozinho na Igreja, apareceu-lhe a Santíssima
Virgem rodeada de uma multidão de Santos. Alguns dentre eles
perguntaram à augusta Rainha quem devia celebrar a Santa Missa.
“Bonet, o meu servo bem-amado”, respondeu ela. O santo Bispo,
ouvindo pronunciar seu nome, recuou assustado, buscando esconder-se,
e a parede de pedra, sobre a qual se apoiou, por um grande milagre,
amoleceu; a forma de seu corpo aí ficou impressa e ainda se pode
ver. Sua humildade só lhe serviu para o tornar mais digno. Teve de
celebrar em presença da Santíssima Virgem, com assistência de
todos aqueles cidadãos do Céu. Depois da Santa Missa a Santíssima
Virgem Maria, deu lhe uma alva de fulgente brancura e de estofo tão
fino como não se pode encontrar nenhum comparável. Ainda hoje se
venera esta alva como preciosa relíquia. Com que modéstia,
pergunto-vos, com que recolhimento e amor não terá ele celebrado
aquela Santa Missa
XIV
A gloriosa Santa Mectilde viu
a alma de um irmão leigo envolta em deslumbrante claridade por
ter-se empregado com extremo fervor em servir em todas as Santas
Missas que pudera.
XV
São Tomás de Aquino, o sol
da Escolástica, conhecia bem o valor inestimável deste ofício de
servir no divino Sacrifício, e não se dava por satisfeito se,
depois de ter celebrado a Santa Missa, não ajudava outra
XVI
São Tomás More, chanceler da
Inglaterra, punha suas delícias nesta santa função; e certo dia,
admoestado por um grande do reino que lhe avisava de que o rei
Henrique veria com desprazer ação tão pouco digna dum primeiro
ministro, respondeu: “Não pode segredar a meu senhor, o rei, que
eu sirva o Senhor de meu rei, o qual é o Rei dos reis e o Senhor
dos senhores.”
XVII
Constantino Magno não só
assistia todos os dias à Santa Missa, mas, quando partia em qualquer
expedição, em pleno fragor da guerra e ruído das armas, fazia-se
acompanhar dum altar portátil no qual mandava celebrar diariamente a
Santa Missa, e por este meio alcançou retumbantes vitórias.
XVII
O Imperador Lotário observava
sempre a mesma prática. Em tempos de paz como de guerra, fazia
questão de assistir, todos os dias, a três Santas Missas.
XVIII
O piedoso Henrique III, rei da
Inglaterra, assistia, do mesmo modo, a três Santas Missas diárias,
para grande edificação de sua corte.
XIX
basta considerar a grande alma
de Maria Clementina, a piedosa rainha cuja perda Roma ainda chora.
Como ele se dignou dizer-me muitas vezes, punha todas as suas
delícias em assistir ao Divino. Sacrifício e todos os dias assistia
a todas as Santas Missas que podia. Mantinha-se imóvel, sem
almofadas, sem apoio, como uma estátua.
E por esta devota assistência
à Santa Missa, acendeu-se em seu coração amor tão ardente a
JESUS-Hóstia, que se esforçava por assistir diariamente a três ou
quatro bênçãos do Santíssimo Sacramento. Sua carruagem percorria
a toda a velocidade as ruas de Roma, a fim de permitir-lhe chegar a
tempo nas diversas igrejas. E quantas lágrimas derramou esta santa
mulher para mitigar a fome que tinha de pão dos Anjos, fome tão
veemente que lhe causava enlanguescimento noite e dia, porque seu
coração se achava a todo instante transportado aonde estava seu
tesouro.
XX
o exemplo da São Venceslau,
rei da Boêmia, que todos devem imitar, se não em tudo, ao menos na
medida do possível. Este Santo rei, não contente em assistir
diariamente a muitas Santas Missas, de joelhos sobre o chão duro,e
de servir aos padres no altar, com mais humildade que um seminarista,
presenteava, ainda, as igrejas com as jóias mais preciosas de seu
tesouro e as mais ricas tapeçarias de seu palácio.
Costumava, além disso,
confeccionar, com suas próprias mãos, as hóstias destinadas ao
santo Sacrifício.
Para este fim e sem receio de
diminuir sua dignidade real, com suas mãos feitas para empunhar o
cetro, cultivava um campo, conduzindo a charrua, semeava o trigo,
fazia a colheita, depois moía os grãos, peneirava a farinha,
preparava e cortava as hóstias e as apresentava como mais profundo
respeito aos sacerdotes, para que as convertessem no Corpo do
Salvador. Ó mãos dignas, de São Venceslau, de empunhar o cetro da
Terra inteira! Qual foi, porém, a recompensa de tão terna piedade?
XXI
A bem-aventurada Ivete teve,
certo dia, uma visão, que devia inspirar a essas pessoas o temor
respeitoso devida à Santa Missa. Ao assistir à Santa Missa viu essa
nobre flamenga um espetáculo terrível. Perto dela estava uma dama
distinta, cujo olhar se fixava aparentemente no altar; mas não era
para seguir o Santo Sacrifício, nem para adorar o Santíssimo
Sacramento que ia receber, e sim, para satisfazer uma paixão impura.
Em volta dela estavam um grande número de demônios que dançavam e
se expandiam em demonstrações de regozijo. Quando ela se levantou
para se dirigir à mesa sagrada, uns lhe seguraram a cauda do
vestido, outro lhe ofereceu o braço enquanto outros lhe
faziam cortejo e serviam-lhe
como a sua senhora. No momento em que o sacerdote descia do altar com
a Santa Hóstia na mão a fim de dar a comunhão àquela infeliz,
pareceu a Ivete que o Salvador abandonava as santas espécies e
volvia ao Céu, repugnando-Lhe entrar num coração assim rodeado de
espíritos das trevas.
Aterrorizada por semelhante
cena, a bem-aventurada Ivete dirigia humildes preces a Nosso Senhor.
E Ele revelou-lhe a causa, fazendo-lhe ver que aquela mulher
alimentava uma paixão desordenada por uma pessoa que se achava
próxima do altar, e que durante toda a Santa Missa, ao invés de se
ocupar dos Santos Mistérios, contemplava-a com olhares impuros,
desejando antes lhe agradar que agradar a DEUS. Por isso rodeavam-na
os demônios e faziam-lhe o cortejo.
Dir-me-eis que não sois do
número dessas infelizes criaturas, e eu creio de boa vontade. Se,
entretanto, ides à Igreja com certos trajes escandalosos, mereceis
todas as censuras.
Transformeis o templo sagrado
em covil de ladrões, pois roubais a DEUS a honra, pelas distrações
que provocais aos sacerdotes, aos ministros, a todo o povo.
XXII
Que sucederia, no entanto, se
fôsseis à Santa Missa para vos entregardes à tagarelice, à
curiosidade, às distrações voluntárias, e voltásseis com as mãos
vazias? Foi o que sucedeu a uma camponesa, que morava em uma aldeia m
pouco afastada da Igreja. Querendo alcançar uma graça importante,
ela prometeu assistir à Santa Missa durante um ano. Com esta
intenção, todas as vezes que ouvia repicar o sino anunciando a
Santa Missa, em alguma Igreja dos arredores, largava imediatamente
seu trabalho e punha-se a caminho sem atender sequer às inclemências
do tempo. De volta a casa, para não perder a conta das Santas Missas
assistidas, que tencionava completar exatamente conforme se impusera,
depositava cada vez uma fava em uma caixa cuidadosamente guardada.
Passou-se o ano, e ela, certa de ter cumprido a promessa e alcançado
muitos méritos, foi abrir a caixa. Ora, de tantas favas que
ajuntara, só encontrou uma. Surpreendida e consternada, invadiu-a um
grande pesar, e dirigiu-se a DEUS, dizendo-lhe lacrimosa: Ó SENHOR,
como é possível que, de tantas Santas Missas
que participei, só uma se
encontre de sobra? Nunca faltei, a despeito do esforço a fazer, do
mau tempo, da chuva, do frio e do caminho ruim!
DEUS então lhe inspirou a
idéia de contar sua infelicidade a um piedoso sacerdote muito
prudente.
Este lhe perguntou de que modo
ia ela à igreja, e com que devoção assistia ao santo Sacrifício.
Então ela disse-lhe que, no caminho só falava de negócios ou de
diversões e passava o tempo dos divinos mistérios a tagarelar com
um e outro, tendo o espírito ocupado exclusivamente com sua casa e
seus campos. “Aí
está, lhe
disse o padre,
o motivo de nada restar dessas Missas. A tagarelice, a curiosidade,
as distrações voluntárias vos roubaram todo o mérito. Satanás
vo-lo roubou. Por isso vosso Anjo fez desaparecer as favas, para vos
mostrar que as obras mal feitas, ficam perdidas. Dai graças a DEUS
porque, pelo menos, uma das Santas Missas, foi bem assistida e vos
trouxe frutos.”
XXIII
Conta-se que certa mulher,
tendo caído em grande miséria, estava em extremo desespero, num
lugar solitário. Apareceu-lhe satanás e disse-lhe que se ela
quisesse distrair as pessoas na igreja, por meio de conversinhas e
falatório inútil e inconveniente, ele a tornaria rica como nunca. A
miserável mulher aceitou a proposta e pôs-se a executar o diabólico
ofício, alcançando plenos resultados: agia e falava de tal maneira
que ninguém perto dela podia assistir atentamente à Santa Missa,
nem a outras cerimônias.
Não durou muito, porém, que
não pesasse sobre ela a mão de DEUS.
XXIV
É o que prova a história dos
três negociantes de Gúbio. Dirigiram-se a uma feira que se
realizava num burgo chamado Cisterno. Depois de vender suas
mercadorias, dois deles começaram a pensar na volta e resolveram
partir no dia seguinte de madrugada, a fim de estarem em casa ao cair
da tarde. O terceiro discordou desta resolução e declarou que,
sendo o dia seguinte um domingo, não se punha a caminho se antes ter
assistido à Santa Missa. E exortou os outros, se queriam voltar como
tinham vindo,
teriam primeiro que assistir à
Santa Missa; em seguida fariam uma refeição e partiriam abençoados.
Além disso, se não pudessem
chegar naquela mesma noite a Gúbio, não faltariam albergues
confortáveis no caminho.
Os companheiros não se
renderam aos conselhos salutares e sensatos; mas, decididos a chegar
naquela mesma noite a seus lares, responderam que DEUS havia de
perdoar-lhes se pro aquela vez faltassem à Santa Missa.
Assim, no domingo, antes da
aurora, sem entrar sequer na igreja, montaram a cavalo e tomaram a
estrada para sua terra.
Em breve chegaram à torrente
de Corfuone, que a chuva torrencial da noite anterior engrossara a
ponto de fazer transbordar. A água, em corrente impetuosa, sacudira
e deslocara bastante a ponte de madeira.
Os dois negociantes meteram-se
por ela com suas alimárias, mas, bem não tinham chegado ao meio,
rompeu-se o madeirame à pressão da água e os dois cavaleiros
precipitaram-se no rio onde se afogaram, perdendo assim dinheiro,
mercadorias e a vida.
Ao fragor desta catástrofe,
acorreram os camponeses, e por meio de ganchos e varapaus conseguiram
retirar os cadáveres que deixaram estendidos na margem, para que
fossem identificados e se lhes pudesse dar sepultura.
O terceiro, entretanto, que se
deixara ficar para cumprir o preceito de assistir à Santa Missa,
pôs-se a caminho alegre e animado. Ao chegar à mesma torrente, viu
na margem os dois mortos, e por curiosidade se deteve para olhá-los.
Reconheceu imediatamente seus
dois amigos e ouviu emocionado a descrição da tragédia.
XXV
Aprendei-o
daqueles dois artesãos que Surius menciona. Exerciam ambos a mesma
profissão; um tinha encargo de família, mulher, filhos e sobrinhos;
o outro vivia só com sua mulher. O primeiro mantinha a casa
decentemente e os negócios andavam às maravilhas.
Não
lhe faltavam nem fregueses em sua loja, nem encomendas de trabalhos;
e todos os anos ainda punha de lado boas economias para o casamento
das filhas. O segundo nunca tinha trabalho, passava fome, e caminhava
para a ruína.
Um
dia disse confessadamente ao vizinho: mas
o que é que fazes! As bênçãos de DEUS chovem sobre a tua família,
enquanto eu, infeliz de mim, vivo embaraçado nos negócios e todas
as desgraças caem sobre a minha casa. O
amigo replicou, vou
ensinar-te. Amanhã de manhã estarei em tua casa, e te mostrarei
onde encontro tantos bens.
Na
manhã seguinte levou o amigo á Igreja para assistir à Santa Missa,
e reconduziu-o, após, à oficina. Fez a mesma coisa duas ou três
vezes. Disse então o outro: Não
precisas mais dar-te o trabalho de levar-me à Santa Missa: já sei o
caminho, se está nela o teu segredo. Concordo
respondeu o amigo. Vá todos os dias assistir à Santa Missa, e verás
que tua sorte há de mudar.
Aconteceu,
com efeito, que, desde que ele começou a assistir diariamente à
Santa Missa, começou a aparecer-lhe trabalho, e em pouco tempo pagou
suas dívidas e repôs sua casa em excelente estado.
Credes
no Evangelho? Ora, se credes, como podeis por em dúvida esta verdade
que ele claramente:
“Buscai,
em primeiro lugar, o reino de DEUS e sua justiça, e todas estas
coisas vos serão acrescentadas. Querite
primum regnum DEI, et haec omnia adjicientur vobis” (Mt 6,33)
Se
duvidais ainda, fazei a experiência: assisti, com devoção e
ativamente, à Santa Missa, durante um ano, e se vossos interesses
temporais não tomarem melhor andamento, aceitarei todas as censuras.
Não será, porém assim. Pelo contrário tereis amplos motivos para
agradecer-me.
XXVI
Era
este o piedoso costume de São Elzéar, conde de Arian. Entre as boas
regras que deu á sua casa, a primeira era que cada manhã todos
assistissem à Santa Missa: servos, servas, lacaios, todos, queria
ele ver na Igreja à hora da Santa Missa.
É
costume santo, que muitos fidalgos praticam em Roma, cardeais e
prelados que diariamente assistem à Santa Missa e fazem questão de
ver ao seu redor todos os componentes de sua casa.
E
não creiais que o tempo assim empregado pelos servidores seja
perdido para vós. DEUS vos há de computa-lo.
XXVII
Santo
Isidoro não passava de um pobre lavrador, mas tomava cuidado, de
nunca faltar à Santa Missa pela manhã. DEUS então, para
demonstrar-lhe quanto prezava esta devoção, mandava aos Anjos
lavrar o campo de Isidoro enquanto ele estava na Igreja. Não é de
esperar que DEUS faça para vós milagres tão sensíveis, mas de
muitas maneiras irá Ele recompensar-vos por vossa piedade!
XXVIII
Era
um vinhateiro que mantinha sua família com o suor de seu rosto, e
que tinha o hábito de assistir, cada dia à Santa Missa, antes de ir
para o trabalho. Dirigindo-se uma manhã bem cedo ao local onde se
tratava trabalho, esperava que algum patrão viesse contratá-lo para
aquele dia. Ouviu, porém o repicar do sino, e, conforme o costume,
foi à igreja fazer suas orações.
Terminada
aquela Santa Missa, foi celebrada outra, e ele, levado por sua
devoção, deteve-se para assisti-la. De volta, enfim, ao lugar
costumado, encontrou-o deserto, pois todos os trabalhadores tinham
sido já contratados e haviam partido para o trabalho nos campos. O
pobre homem encaminhava-se muito triste para a casa, quando encontrou
um cidadão muito rico, o qual, notando-lhe o ar preocupado,
perguntou-lhe o motivo daquele pesar.
-
Que se há de
fazer? Hoje de manhã, para não perder a Santa Missa, perdi minha
diária, respondeu.
“Não
se aflija, replicou
o rico, vá a
igreja, assista à outra Missa, em minha intenção, e logo a tarde
pagar-lhe-ei sua diária. O
operário obedeceu e assistiu a todas as Santas Missas celebradas
naquele dia. A tarde, foi receber sue salário, idêntico ao que se
costuma pagar na região. Voltava ele muito satisfeito, quando lhe
veio ao encontro um desconhecido (era
o próprio JESUS), que
lhe perguntou qual o salário recebido por um dia tão bem
empregado”.
E
ao ficar informado da quantia, exclamou: “Tão
pouco, por trabalho de tão grande mérito?! Volta a esse rico e
dize-lhe que se não aumentar tua recompensa, seus negócios irão
muito mal.” O
homem com toda simplicidade deu o recado ao rico, e este lhe deu mais
cinco moedas, despedindo-o em paz. O vinhateiro deu-se pro muito
satisfeito com o aumento, mas JESUS não se contentou. Ao saber que o
aumento fora somente de cinco moedinhas, disse: “Não
basta, volta a esse ricaço e adverte-o que se não der melhor
retribuição, pode esperar terrível desgraça.” Foi-se
novamente o trabalhador, e um tanto embaraçado fez sua comunicação
em meias palavras. O rico ouvi-o, e, tocado interiormente por DEUS,
deu-lhe uma boa quantia para comprar uma roupa nova.
Admirais,
sem dúvida, a atenção da Divina Providência socorrendo esse pobre
vinhateiro, em retribuição à sua terna piedade de assistir
diariamente à Santa Missa, e tender razão. Mais admirável ainda
foi, porém, a graça que a soberana Misericórdia concedeu ao rico.
Com efeito, na noite seguinte JESUS apareceu-lhe em sonho, e lhe
revelou que, em consideração ás Santas Missas assistidas por
aquele pobre trabalhador, poupava-o de uma morte súbita que naquela
mesma noite devia precipitá-lo no Inferno.
A
esta revelação espantosa, o rico despertou, arrependeu-se de sua
vida pecaminosa, e tornou-se devotíssimo da Santa Missa que, daí em
diante, passou a assistir ao Santo Sacrifício, todas as manhãs.
Mais ainda, começou a encomendar diariamente muitas Santas Missas em
diversas igrejas, e, enfim, depois de uma vida virtuosa, findou seu
dia em feliz morte. Por aí vedes como é liberal a bondade de DEUS
para aqueles que se mostram devotos da Santa Missa.
XXIX
Enéias
Silvio Piccolomini, mais tarde Pio II, refere que em certa região da
Alemanha havia um fidalgo de grande linhagem que, tendo caído na
pobreza, vivia retirado em uma de suas terras. Aí acabrunhado pela
melancolia, estava prestes deixar-se dominar pelo desespero, e
satanás o impelia, cada dia, a pôr uma corda ao pescoço a fim de
dar cabo da vida. Nesse combate contra a tristeza e a tentação,
recorreu a um santo confessor, que lhe deu o excelente conselho de
não passar, nem um dia, sem assistir à Santa Missa.
O
fidalgo aceitou o conselho e logo o colocou em prática; e fez mais,
para ficar seguro de nunca faltar à Santa Missa, tomou um capelão
que devia estar pronto a oferecer, cada manhã, o Santo Sacrifício,
a que ele assistia com grande fervor e devoção. Um dia, porém, o
capelão dirigiu-se bem cedo a uma aldeia pouco afastada para
assistir um padre recém-ordenado, que lá celebrava sua primeira
Missa. O
fidalgo,
receoso de ficar privado da Santa Missa naquele dia, dirigiu-se
apressadamente para a tal aldeia. No caminho, porém, encontrou um
camponês e este lhe disse que podia voltar dali, pois a Santa Missa
do novo sacerdote já havia terminado, e que na aldeia não se
celebraria outra. A esta notícia, o fidalgo perturbou-se e exclamou
entre lágrimas: “Que
vai ser de mim hoje?” O
camponês, que nada podia entender de tão pungente aflição,
replicou num tom de gracejo e ímpio ao mesmo tempo: “Não
choreis, senhor, eu vos venderei a Missa que acabo de assistir.
Dai-me o manto que trazeis e eu vo-la cedo.”
O
gentil-homem aceitou a estranha proposta do camponês, e,
entregando-lhe o manto, encaminhando-se para a Igreja. Fez uma curta
oração no lugar santo, e voltou em seguida para casa. Mas, ao
chegar ao sítio em que se detivera pouco antes, qual não foi seu
espanto ao ver enforcado num carvalho, morto como Judas, o desgraçado
camponês que lhe vendera sua Missa.
A
tentação de suicídio passara do fidalgo ao camponês, que, privado
do socorra que a Santa Missa lhe alcançara, não soubera resistir ao
diabo. O fato acabou de convencer o bom fidalgo de quão eficaz era o
remédio sugerido pelo confessor, e mais se firmou em sua resolução
de assistir, todos os dias, à Santa Missa.
Duas
coisas de grande importância eu quisera que notásseis neste
terrível caso. Primeiro a grosseira ignorância de grande número de
cristãos que, não sabendo apreciar as riquezas imensas na Santa
Missa, vão a ponto de taxá-la por um preço material.
XXX
Por
isso, nas antigas comunidades cristãs os fiéis, para a celebração
da Santa Missa, tendo à frente o Papa, iam em procissão até o
altar, vestidos com vestes de penitência e cantando a Ladainha dos
Santos.
Na
verdade, quando vamos à Santa Missa, devemos ir, repetindo com São
Tomé: “Vamos,
nós também, para morrermos com Ele!” (Jô
11, 16)
Quando
Santa Margarida Maria Alacoque assistia à Santa Missa, e ficava
olhando o altar, não deixava nunca de lançar um olhar para o
crucifixo e para as velas acessas.
Para
que?
Para
que se imprimissem bem duas coisas na mente e no coração: o
crucifixo fazia-lhe lembrar o que JESUS tinha feito por ela; e as
velas acesas lhe recordavam o que ela devia fazer por JESUS, isto é,
sacrificar-se e imolar-se por Ele e pelas almas.
XXXI
Nosso
Senhor JESUS disse a Santa Matilde: “Pelo
meu Sangue, venço a cólera de meu PAI e reconcilio o homem com o
seu DEUS.” Isso
se realiza principal e especialmente no Sacrifício da Santa Missa. O
Seu Sacrifício na Cruz torna-se presente pela Santa Missa. Por isso,
o preciosíssimo Sangue de CRISTO corre na Santa Missa como se saísse
das Chagas de JESUS na Cruz.
XXXII
São
as seguintes as palavras de JESUS a Maria Graf-Sutter: “Aqueles
que se unem, sem cessar, ao meu Sacrifício na Cruz e oferecem a DEUS
PAI, o meu Preciosíssimo Sangue pela salvação das almas, podem, de
certo modo, explorar o meu Coração, porque têm poder sobre Ele. Eu
purificarei as suas almas, lavando-as no meu Sangue.”
“Se
uma alma oferece ao meu PAI Celeste o Santo Sacrifício, com o
sacerdote e através dele, com verdadeiro espírito de imolação,
ela participa de todas as graças deste Sacrifício.”
“Se
assiste a uma Santa Missa, mas tendo no seu coração o desejo de
oferecer muitas vezes a DEUS o Santo Sacrifício e, com esta pura
intenção, se une a todos os sacerdotes da Santa Igreja, para
oferecer com eles os meus sofrimentos, e a minha Morte, com esta
perpétua oferta ela obterá perpetuamente graças. Com a minha
Graça, esta alma unir-se-á a todas as Santas Missas celebradas no
Mundo inteiro, e a sua vida tornar-se-á uma perpétua união de
sacrifício coMigo e em Mim.”
XXXIII
Segundo
São Lourenço Justiniano, “Nenhuma
língua humana, pode contar os favores, que nascem, como de uma
fonte, do Sacrifício da Santa Missa: o pecador que se reconcilia com
DEUS, o justo que se torna mais justo, as culpas que são canceladas,
os vícios que são erradicados, as virtudes e os méritos que
crescem, as insídias de satanás que são confundidas.”
Os
efeitos salutares, pois que cada Santa Missa produz na alma de quem
dela participa, são admiráveis: obtém o arrependimento e o perdão
das culpas, diminui a pena temporal devida por causa dos pecados,
desarma o império de satanás e abranda os furores da
concupiscência.
A
Santa Missa também reforma os vínculos de nossa incorporação com
JESUS CRISTO, preserva de perigos e desgraças, abrevia a duração
do Purgatório e aumente o grau de glória no Céu.
XXXIV
Santa Teresa de Jesus dizia às
suas filhas: “Sem
a Santa Missa, que seria de nós? Tudo pereceria neste Mundo, pois
somente ela pode deter o braço de DEUS.” Sem
a Santa Missa, certamente a Igreja não teria durado até agora, e o
Mundo já se teria perdido sem remédio. “Sem
a Santa Missa, a Terra já teria sido aniquilada, há muito tempo,
por causa dos pecados dos homens.”, ensinava
Santo Afonso de Ligório. Segundo São Boaventura, “A Santa Missa,
é a obra na qual DEUS coloca sob nossos olhos todo o amor que Ele
nos tem; é, de certo modo, a síntese de todos os benefícios que
Ele nos faz.”
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