por Thiago de Oliveira Geraldo - 2011/06/24
(Revista Arautos do Evangelho, Junho/2011, n. 114, p. 18 à 23)
Para cumprir o encargo de anunciar o Evangelho de Jesus Cristo por todo o mundo, os primeiros cristãos tinham necessidade de adaptar-se à cultura de seus ouvintes. O Apóstolo das Gentes realizou isso de forma admirável em seu discurso no Areópago de Atenas.
Fazendo parte da planície da Ática, com seu solo rochoso e pouco fértil, Atenas viu nascer em seu seio insignes pensadores cujos nomes reboam no mundo da cultura há mais de dois mil e quinhentos anos. Ali floresceram, nos séculos V e IV a.C., três figuras de proa da Filosofia: Sócrates, Platão e Aristóteles, o último dos quais recebeu de notáveis estudiosos elogios como este: "Mais do que ‘o mestre daqueles que sabem', como o reconhecia Dante, Aristóteles merecia ser chamado de o inspirador daqueles que questionam, em todos os campos do saber, da ação, da produção".1 Ou ainda como este outro, do qual poderia se ufanar o mais prestigioso dos intelectuais hodiernos: "Poucos homens fundaram uma ciência; afora Aristóteles, nenhum fundou mais de uma".2
"MAIS FÁCIL ENCONTRAR UM DEUS DO QUE UM SER HUMANO"
Durante séculos, defrontavam-se em Atenas expoentes de diversas escolas de pensamento nos campos do saber, da moral, da política. Havia também nessa cidade banhada pelo Mar Egeu, como em toda a Grécia antiga, um confronto entre as crenças politeístas e o rigor do pensamento puramente humano, levando a intermináveis discussões acerca das divindades e da origem do mundo. "Em Atenas é mais fácil encontrar um deus do que um ser humano" 3, ironizava Petrônio, escritor romano do primeiro século. E no século seguinte, o escritor grego Pausânias assim qualificava os atenienses: "eles são também mais piedosos que os outros povos".4
Nesse contexto de acirradas disputas culturais e religiosas, imagine- -se qual deveria ser o espírito de fé e a capacidade intelectual de um cristão para anunciar de modo convincente a Boa Nova na metrópole das ciências, a pensadores de diversas escolas filosóficas, dotados de agudo senso crítico e hábeis na esgrima da dialética.
Essa missão a Providência Divina confiou-a ao Apóstolo das Gentes, "o homem que Deus chamou e enviou para empreender a difusão universal do Cristianismo".5
DISPUTAS DIÁRIAS COM JUDEUS E GREGOS
Varão de rija têmpera, acostumado aos sacrifícios e às adversidades, São Paulo pregava denodadamente o Evangelho de Jesus Cristo em todos os lugares aonde o conduzia seu zelo apostólico. E sua audácia missionária não esmoreceu quando se viu obrigado a permanecer alguns dias em Atenas, à espera de Silas e Timóteo, para juntos continuarem viagem até Corinto.
Mesmo estando nela de passagem, como permanecer naquela cidade sem evangelizar? Impossível para aquele que falou de si mesmo: "Anunciar o Evangelho não é para mim motivo de glória. É antes uma necessidade que se me impõe. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!" (I Cor 9,16).
Quanto ao ambiente que São Paulo encontrou na capital da cultura, escreve um abalizado exegeta: "A cidade carecia naquele tempo de importância política, e mesmo comercialmente tinha decaído muito; mas continuava sendo ‘a pupila da Grécia' (Filon), ‘a tocha de toda Grécia' (Cícero). Como sede das grandes escolas filosóficas e berço da mais refinada cultura grega, destacava-se sobre as demais cidades do Império Romano e exercia irresistível força de atração sobre quantos aspiravam a adquirir ciência e cultura, especialmente sobre a juventude da nobreza romana".6
No entanto, a primeira reação do Apóstolo quando tomou contato com a realidade ateniense foi de aversão: "Enquanto esperava Silas e Timóteo, em Atenas, Paulo ficou revoltado ao ver aquela cidade entregue à idolatria" (At 17, 16). Sua indignação, fruto da fé, aumentava nele o desejo de aproveitar a ocasião para anunciar Jesus Cristo crucificado àqueles adoradores de ídolos. E São Paulo sabia adaptar-se ao público que o ouvia.
Nas missões realizadas pouco antes em várias cidades, pregou nas sinagogas a judeus, revelando-se exímio conhecedor das Escrituras e demonstrando, com base nelas, ter sido necessário que Cristo padecesse e ressurgisse dos mortos (cf. At 17, 3). Em Atenas habitavam também alguns judeus, mas o ardoroso evangelizador percebia bem que ali a imensa maioria de seus ouvintes seria constituída por gregos, cuja mentalidade era bem diferente da dos israelitas. E lançou-se logo à conquista de almas também nesse campo, pois como narram os Atos dos Apóstolos, São Paulo disputou "na sinagoga com os judeus e prosélitos, e todos os dias, na praça, com os que ali se encontravam" (At 17, 17).
HOMENS INSACIÁVEIS DE NOVIDADES
Entre aqueles que ouviram São Paulo na ágora - nome com o qual os gregos denominavam a praça principal da cidade, onde ocorriam as discussões políticas - havia filósofos epicuristas e estoicos. Os primeiros tinham a fruição dos prazeres por principal finalidade da existência e, em consequência, fugiam da dor o quanto podiam; eram materialistas, mas não negavam a existência dos deuses, os quais, entretanto, raramente interferiam na vida dos homens. Para os segundos, ao contrário, a autossuficiência e a impassibilidade diante da dor eram tomadas como grandes virtudes.
Ao ouvirem a pregação daquele estrangeiro, alguns filósofos debicavam dele, chamando-o de spermológos, ou seja, charlatão ou tagarela. Outros lhe faziam uma das acusações que cinco séculos antes levaram Sócrates à morte nessa mesma cidade: a de propagar o culto a deuses estrangeiros. Porque São Paulo pregava Jesus e a Anástasis (Ressurreição), nomes que soavam para eles como um par de divindades. Conduziram-no então ao Areópago, antigo tribunal de Atenas, no qual se julgavam também questões religiosas e morais. Era ele, além de órgão jurídico, ponto de reunião dos atenienses e forasteiros que, nessa época, "não se ocupavam de outra coisa senão a de dizer ou de ouvir as últimas novidades" (At 17, 21).
Essa sede insaciável de novidades facilitava a atuação do Apóstolo: todos se mostravam ávidos de conhecer o que aquele estrangeiro teria a lhes dizer. Como começaria ele seu discurso perante o exigente auditório, constituído pelos representantes da mais elevada cultura?
Tratando-se de gentios, de nada adiantaria apresentar-lhes argumentos extraídos das Sagradas Escrituras. "Os primeiros cristãos, para se fazerem compreender pelos pagãos, não podiam citar apenas ‘Moisés e os profetas' nos seus discursos, mas tinham de servir-se também do conhecimento natural de Deus e da voz da consciência moral de cada homem"7 - observa o Beato João Paulo II.
Na cidade de Tarso, lugar de passagem para o comércio na Ásia, o jovem Saulo certamente não recebeu apenas a formação judaica tradicional, mas deve ter estudado também disciplinas helênicas, como a retórica. Em suas escolas, além da alfabetização, os alunos aprendiam ginástica e música.
PROCLAMAÇÃO DA FÉ COM SABEDORIA E SAGACIDADE
Chegara para o Apóstolo dos Gentios o momento de colocar a serviço da Fé aquilo que aprendera com a própria cultura grega. "O viver numa cidade helenista e a educação helenístico-judaica do jovem Paulo conferiram-lhe a competência para, mais tarde, como cristão, poder utilizar com autonomia e como patrimônio próprio, o espírito e a tradição do helenismo".8
Adaptou suas palavras ao público (Estratégia-01) que tinha diante de si e, contendo a indignação que lhe causara a idolatria dos atenienses, começou por lhes elogiar a religiosidade (Estratégia-02). Assim agindo, comenta o Beato João Paulo II, revelou sabedoria e sagacidade: "O Apóstolo põe em destaque uma verdade que a Igreja sempre guardou no seu tesouro: no mais profundo do coração do homem, foi semeado o desejo e a nostalgia de Deus".9
No entanto, seu olhar perscrutador captara um detalhe que lhe serviu para introduzir o tema de sua pregação. "Percorrendo a cidade e considerando os monumentos do vosso culto, encontrei também um altar com esta inscrição: ‘A um Deus desconhecido' (Estratégia-03). O que adorais sem o conhecer, eu vo-lo anuncio!" (At 17, 23). Sobre isto, comenta o estudioso Schökel: "O exórdio, como entrada na matéria, é magistral. Como um cumprimento cortês e ambíguo, que se transforma em crítica, e sabe perceber um valor profundo".10
A religiosidade dos gregos, entretanto, se orientava por uma perspectiva fortemente politeísta e pagã, estando a profusão de divindades, por eles cultuadas, vinculada às diversas vicissitudes que a vida apresenta. Os atenienses imaginavam que por trás de cada acontecimento havia sempre a ação de um deus, e temiam que desgraças lhes sobreviessem por causa de algum culto omitido ou mal realizado. Daí seu empenho em erigir altares até ao "deus desconhecido", como explica Fillion: "Habituados a ver em tudo, especialmente nas circunstâncias perigosas (guerras, tremores de terra, doenças, etc.), a manifestação da divindade, e sempre temendo ofender a algum deus desconhecido, eles recorriam a este meio para tornar propícios todos os deuses, grandes e pequenos, dos quais podiam temer um ato de vingança ou esperar um benefício".11
TAMBÉM NÓS SOMOS DA RAÇA DE DEUS
Na sequência do discurso, o Apóstolo arremete contra a idolatria: Deus, criador de tudo quanto existe, Senhor do Céu e da Terra, "não habita em templos feitos por mãos humanas", e de nada necessita, pois é Ele quem "dá a todos a vida" (cf. At 17, 24-25). Logo em seguida, lança um argumento alentador: o Deus vivo e verdadeiro não é um ser inacessível aos homens; pelo contrário, Ele nos incita a procurá-Lo, ainda que "às apalpadelas", porque na realidade Ele "não está longe de cada um de nós" (cf. At 17, 27).
Com o objetivo de aumentar o efeito de suas palavras perante aqueles ouvintes cultos e eruditos, São Paulo cita um verso do poeta grego Arato (séc. III a.C.) para afirmar que "também nós somos da raça de Deus" (At 17, 29).12 Valendo-se desse dito, o Apóstolo das Gentes mostra aos atenienses como é pouco sábio, para quem é "da raça de Deus", adorar imagens esculpidas por mãos humanas (Estratégia-04).
Entrando no ponto central de seu discurso, São Paulo apresenta um argumento especialmente sensível para quem fazia parte do tribunal do Areópago: Deus os convida a se arrependerem da idolatria, "porquanto fixou o dia em que há de julgar o mundo com justiça" (At 17, 31). Contudo, ao contrário do que acontece nos tribunais humanos, a advertência quanto a esse julgamento divino vinha unida à esperança de um grande perdão (Estratégia-05), como observa um conceituado exegeta do século XX: "Trata-se de uma oferta que Deus faz de sua graça e de seu perdão da vida anterior, transcorrida no pecado, a fim de que os homens possam superar o juízo".13
Até aqui, São Paulo fazia seu anúncio da Fé em termos principalmente filosóficos, mas chegara o momento de entrar no cerne da questão: Cristo ressuscitou dentre os mortos (Estratégia-06). Essa Ressurreição tantas vezes pregada por ele, como se lê nos últimos capítulos dos Atos dos Apóstolos, talvez seja o que mais lhe tenha causado acusações e perseguições. Assim o afirma o dominicano Michel Gourgues: "A fé na Ressurreição de Jesus e a esperança na ressurreição dos mortos se apresentam com insistência como o objeto central da Fé e da pregação cristã e como o principal motivo das oposições e das acusações contra Paulo".14
De tal forma São Paulo deu por toda parte testemunho da Ressurreição de Cristo que ele bem merecia ser cognominado Apóstolo da Ressurreição. "A aparição de Cristo ressuscitado a Paulo perto de Damasco é a vivência clave para a fé e para o ensinamento do Apóstolo".15 Como poderia ele, então, calar-se a respeito desse fabuloso acontecimento?
No entanto, quando o ouviram falar de ressurreição dos mortos, alguns de seus ouvintes caçoaram dele e outros interromperam o discurso, dizendo ironicamente: "A respeito disso te ouviremos ainda uma outra vez" (At 17, 32).
Assim, pois, os gregos que acreditavam na imortalidade da alma não foram capazes de aceitar a ressurreição dos mortos, algo que ultrapassava os limites de sua razão, e por isso zombaram do Apóstolo e de sua doutrina. Mas, esses mesmos apologistas da sabedoria e da lógica não conseguiam perceber a irracionalidade que supunha adorar deuses feitos de ouro, prata, pedra ou madeira, produtos da arte e da imaginação do homem.
FRACASSOU A PREGAÇÃO DE PAULO NO AREÓPAGO?
Aparentemente, sim. Alguns comentaristas, inclusive, foram levados a pensar que a carta escrita anos mais tarde para a comunidade de Corinto reconheceria o insucesso deste discurso: "Também eu, quando fui ter convosco, irmãos, não fui com o prestígio da eloquência nem da sabedoria anunciar-vos o testemunho de Deus. Julguei não dever saber coisa alguma entre vós, senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. [...] A minha palavra e a minha pregação longe estavam da eloquência persuasiva da sabedoria" (I Cor 2, 1-2.4a). (Estratégia-07)
Na realidade, São Paulo não fez em vão essa sua ufana proclamação de fé na Ressurreição de Cristo. Em primeiro lugar, seu exemplo serve de precioso estímulo para todos quantos são chamados a anunciar o Evangelho nos areópagos paganizantes de todos os tempos e cidades. Além disso, "alguns homens aderiram a ele e creram: entre eles, Dionísio, o Areopagita, uma mulher chamada Damaris; e com eles ainda outros" (At 17, 34).
Dos outros convertidos, pouco ou nada se sabe. Mas prestemos atenção no cognome de Areopagita, que indica se tratar de um membro da elite intelectual e judiciária da Grécia. Com efeito, "este título supõe que Dionísio fosse um personagem muito influente, pois segundo as leis de Atenas, chegava-se a esta elevada posição somente após ter ocupado outro posto oficial importante e atingido a idade de sessenta anos".16
Assim São Dionísio Areopagita entrou na História como um modelo de pensador convertido, que não precisou renegar sua cultura e ciência para tornar-se cristão. Pelo contrário, suas notáveis qualidades intelectuais e a vastidão dos seus conhecimentos jurídicos e filosóficos foram postos ao serviço da Igreja e marcaram, sem dúvida, seu ministério episcopal como primeiro Bispo de Atenas.
A FÉ CRISTÃ AUTÊNTICA NÃO CERCEIA A RAZÃO
O mesmo ocorre com qualquer povo ou nação que resolva abrir suas portas às benéficas influências da Igreja. Ensina, a este respeito, o Bem-aventurado João Paulo II: "O anúncio do Evangelho nas diversas culturas, ao exigir de cada um dos destinatários a adesão da Fé, não os impede de conservar a própria identidade cultural".17
São Paulo mostrou-se fiel ao anúncio da Boa Nova, adaptando-se às circunstâncias concretas que teve de enfrentar em Atenas; fiel também foi Dionísio, ao receber humildemente a Revelação. Pois, como nos ensina o Papa Bento XVI, a tendência moderna de considerar verdadeiro somente o experimental cerceia a razão humana. A autêntica Fé cristã não impõe limites à razão. Ao contrário, encontrando-se e dialogando, ambas podem expressar-se melhor. "A fé supõe a razão e aperfeiçoa-a, e a razão, iluminada pela fé, encontra a força para se elevar ao conhecimento de Deus e das realidades espirituais. A razão humana nada perde abrindo-se aos conteúdos da fé, aliás, eles exigem a sua adesão livre e consciente".18
Notas:
1 STIRN, François. Compreender Aristóteles. Petrópolis: Vozes, 2006, p.11.
2 BARNES, Jonathan. Aristóteles. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2001, p.137.
3 PETRÔNIO, apud GOURGUES, Michel. El evangelio a los paganos. Estella: Verbo Divino, 1990, p.54.
4 PAUSÂNIAS, apud GOURGUES, op. Cit., p.54. Idem, ibidem.
5 CASCIARO, José María. Nuevo Testamento: traducción y notas. Pamplona: EUNSA, 2004, p.873.
6 WIKENHAUSER, Alfred. Los hechos de los apóstoles. Barcelona: Herder, 1973, p.287-288.
7 JOÃO PAULO II. Fides et ratio, n.36.
8 BECKER, Jürgen. Apóstolo Paulo, vida, obra e teologia. São Paulo: Academia Cristã, 2007, p.90.
9 JOÃO PAULO II, op. Cit., n.24.
10 SCHÖKEL, Luis Alonso. Biblia del Peregrino: Nuevo Testamento. Bilbao: Ega - Mensajero, 1996, t.III, p.348.
11 FILLION, Louis-Claude. La Sainte Bible. Paris: Letouzey et Ané, 1912, t.VII, p.741.
12 Assim se exprimia o poeta, em seu poema Fenómenos: "Que todo canto comece por Zeus! Nunca deixemos, mortais, seu nome sem louvor. Tudo está cheio de Zeus: as ruas e praças onde se reúnem os homens, o amplo mar e os portos; em qualquer lugar aonde vamos, todos necessitamos de Zeus. Somos, inclusive, de sua raça" (ARATO, apud GOURGUES, op. cit., p.56).
13 WIKENHAUSER, op. cit., p.307.
14 GOURGUES, op. Cit., p.60.
15 CASCIARO, op. Cit., p.883.
16 FILLION, op. cit., p.743.
17 JOÃO PAULO II, op. Cit., n.71.
18 BENTO XVI. Angelus, 28/1/2007.
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