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domingo, 2 de março de 2014

A INFALIBILIDADE PONTIFÍCIA E O PRIMADO DA JURISDIÇÃO DE SÃO PEDRO, COMO FUNDAMENTÁ-LOS NA ESCRITURA, NA TRADIÇÃO E NA HISTÓRIA?



"Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16, 18).

Nos últimos cem anos, poucas passagens do Evangelho têm sido objeto de discussões tão veementes e apaixonadas, pois, segundo alegam alguns, a formulação atual não corresponderia ao original escrito por Marcos, mas tratar-se-ia de um texto manipulado por volta do ano 130 com vistas a justificar o primado de Pedro e seus sucessores sobre seus irmãos no episcopado. Entretanto, durante séculos ninguém pusera em dúvida a autenticidade dessa passagem. Foi preciso aguardar a infiltração do racionalismo na exegese bíblica no século XIX e o historicismo protestante do século XX, para começarem as tentativas de desqualificá-la.

Pelo contrário, mais de 160 passagens do Novo Testamento mencionam Pedro ocupando uma posição de preeminência sobre os demais Apóstolos.
Até mesmo São João - em plena polêmica com os gnósticos - traz duas importantes referências à entrega do primado petrino:
"Serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)" (Jo 1, 42);
e
"Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes? [...] Apascenta meus cordeiros" (Jo 21, 15-17).

Testemunho dos Padres Apostólicos

Ora, na carta enviada pelo Papa São Clemente aos fiéis de Corinto, a respeito da rebelião ocorrida nessa comunidade em torno do ano 96, fica patente o primado romano. Com efeito, nela o Pontífice não pede desculpas por imiscuir-se nos assuntos internos de outra Igreja - como seria normal, caso fosse um simples primus inter pares, chefe de outra Igreja irmã -, mas escusa-se por não ter tido oportunidade de intervir no assunto com mais rapidez; adverte do perigo de cometer pecado grave quem não obedecer às suas admoestações; e mostra-se convencido de que sua atitude é inspirada pelo Espírito Santo.
Por outro lado, a carta foi recebida em Corinto sem resistências e considerada como uma grande honra, a ponto de ainda no ano de 170, segundo testemunhas, ser lida na liturgia dominical.

Fundamento Bíblico do Primado Petrino

São Pedro ocupa posição preeminente no Novo Testamento, onde é mencionado 114 vezes nos Evangelhos e 57 vezes nos Atos dos Apóstolos.
1.       Fala em nome de todos os Apóstolos (Lc 12, 41, Mt 19, 27, Mc 10, 28, Lc 18, 28),
2.       Responde por eles (Jo 6, 68, Mt 16, 16, Mc 8, 29) e,
3.       Age por todos (Mt 14, 28, Mc  8, 32, Mt 16, 22, Lc 22, 8, Jo 18, 10).
4.       Outras vezes os evangelistas referem- se aos Apóstolos dizendo: "Pedro e os seus" (Mc 1, 36, Lc 8, 45; 9, 32, Mc 16, 7,  At 2, 14. 37).
5.       Jesus o elege depois de fazer um  grande milagre (Lc 5, 1-11);
6.       Serve-Se de sua barca para pregar às multidões (Lc 5, 3);
7.       Hospeda-Se em sua casa (Mc 1, 29);
8.       Associa-o a Si no pagamento do tributo (Mt 17, 23-26);
9.       Escolhe-o, com Tiago e João,  para assistir à ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,  37),
10.   À transfiguração (Mc 9, 2) e,
11.   À agonia no Getsêmani (Mc 14, 33);
12.   É o primeiro a quem aparece ressuscitado (Lc 24, 34).
13.   É o único dos Doze que o anjo nomeia para ser-lhe comunicada a mensagem  da Páscoa (Mc 16, 7).
14.   São João espera a chegada de São Pedro, para deixá-lo entrar primeiro no  Sepulcro de Jesus (Jo 20, 2-8).
15.   Depois da Ascensão e de Pentecostes, vemos São Pedro exercendo a autoridade máxima na Igreja. 
16.   Completa o Colégio Apostólico com a eleição de São Matias (At 1, 5ss);
17.   Fala em nome dos Apóstolos no dia de Pentecostes (At 2, 14ss);
18.   Defende perante  as autoridades judaicas o direito dos Apóstolos, de  pregar a Fé em Cristo (At 4, 8-12);
19.   Condena Ananias  e Safira (At 5, 1-11);
20.   É inspirado a abrir as portas da Igreja também aos pagãos, com a conversão do  centurião Cornélio (At 10, 47);
21.   Preside o Concílio de Jerusalém (At 15, 6);
22.   Toda a Igreja orava por sua libertação, quando foi encarcerado por ordem de Herodes (At 12, 5).
23.   Por outro lado, São Paulo assinala de modo preeminente a importância de São Pedro como cabeça da Igreja. Depois de sua estada na Arábia, dirige-se a Jerusalém para vê-lo (Gal 1, 18);
24.   Reconhece nele uma das colunas da Igreja (Gal 2, 9);
25.   Coloca-o como o primeiro entre as testemunhas das aparições de Cristo ressuscitado (Cor 15, 5);
26.   E mesmo quando lhe resiste "em face" em Antioquia, age como quem reconhece sua autoridade e, portanto, confirma de algum modo seu primado (Gal  2, 11-14).

Outro importante testemunho dessa época a favor do primado do Sucessor de Pedro é a carta enviada por Santo Inácio de Antioquia (†107) à Igreja de Roma. Nela também se manifesta de modo evidente, e mais explícito que no caso anterior, o primado da Sé Romana sobre as outras. Com efeito, essa missiva é substancialmente diferente das enviadas por ele nas mesmas circunstâncias (prisioneiro levado da Síria para Roma, onde seria martirizado) a outras Igrejas, como Éfeso, Magnésia, Trália, Filadélfia e Esmirna. Na primeira, o santo Bispo de Antioquia escreve em tom submisso; nas demais, em tom de autoridade.

Eloquente também foi a intervenção do Papa Vítor I (189-199) a propósito da data da comemoração da Páscoa, que ele resolveu unificar. Na Província da Ásia se obedecia a outro calendário. Para solucionar a questão, o Papa convocou um Sínodo dos Bispos italianos em Roma, escreveu aos Bispos do mundo inteiro e, por fim, conclamou os Bispos da Ásia a adotar a prática da Igreja universal, de sempre celebrar a Páscoa no domingo. Caso não o atendessem, ele os declararia excluídos da comunhão da Igreja. Vários Bispos tentaram moderar a decisão papal, incluindo Santo Irineu, sem resultado, ao que parece. Fato é que pouco a pouco o costume romano se tornou prática comum em toda a Igreja. Trata-se de mais uma amostra do reconhecimento universal do primado do Papa.

Insuspeito Testemunho de um Herege

Mas os argumentos não provêm apenas do campo católico. Por volta do ano 220, Tertuliano, já então envolvido na heresia montanista, escreveu um libelo atacando o Papa Calisto I, que publicara um edito para ser lido em todas as igrejas, suavizando a disciplina penitencial aplicada aos adúlteros e fornicadores.
Atribuindo de modo sarcástico ao sucessor de Pedro a expressão "Pontífice Máximo, ou seja, o Bispo dos Bispos" - títulos então usados pelo Imperador romano -, o malfadado escritor eclesiástico mostra quão abrangente era o poder espiritual do Papado. Ademais, termina sua longa objurgatória com uma crítica à reivindicação de Calisto I de que sua autoridade "de ligar e desligar" se fundamentava na de São Pedro, dando um precioso testemunho de quão antiga é a consciência da origem divina dessa autoridade.

Detalhe importante: ao tentar refutar o Papa, Tertuliano - acérrimo adversário da Igreja que antes amara - cita sem qualquer objeção a passagem do Evangelho de São Mateus contestada pelos racionalistas dezoito séculos mais tarde: sim, o Senhor disse a Pedro que este era a rocha sobre a qual construiria a Igreja; deu- lhe, de fato, as chaves, assim como o poder de ligar e desligar, e confiou-lhe o cuidado da Igreja. Basta ler as palavras de Tertuliano para constatar que ele se referia a um fato pacificamente aceito por todos em sua época, tão próxima dos tempos apostólicos, nem se permitindo alguma suspeita relacionada com adulteração do texto bíblico.

Supremacia Fundada sobre uma Rocha Divina

São Leão Magno - cujo pontificado, entre os anos 440 e 461, constitui um interessante ponto de inflexão na história do primado petrino - referia- se à Igreja de Roma como magistra (mestra) e não tinha dúvida alguma a respeito da autoridade do Papa sobre o concílio.

Em nome dessa autoridade confirmou a doutrina definida pelo Concílio de Calcedônia (451), iniciando assim uma prática que será mantida por seus sucessores e considerada como necessária para conferir validez a qualquer concílio ecumênico. Sua conhecida Epístola dogmática foi aclamada com transportes de entusiasmo pelos Padres reunidos em Calcedônia, quase todos orientais, com a famosa sentença: "Isto disse Pedro através de Leão!".

Ora, São Leão Magno desenvolve o conceito de soberania petrina tomando justamente por base o já citado versículo de São Mateus: "Eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16, 18). Ele põe em realce que essa declaração do Divino Mestre aplica-se efetivamente à Sé Romana e que o Papa, como Sucessor de Pedro, tem a missão especialíssima de guiar e governar a Igreja universal, bem como o direito de intervir e tomar decisões nas questões eclesiásticas das Igrejas locais.

Infelizmente, fatos históricos indicam, a partir do século VII, uma latente recusa do primado de jurisdição universal do Bispo de Roma por parte de alguns líderes da Igreja do Oriente, embora reconhecendo em geral a autoridade papal em matéria doutrinária. O exaltar dos ânimos teria como triste desfecho o cisma de 1054.

Infalibilidade não significa Impecabilidade

Convém lembrar, por fim, que nem do exercício do ministério petrino, nem do carisma da infalibilidade advém ao Romano Pontífice a impecabilidade ou, por outras palavras, a confirmação em graça.

Um dos argumentos racionalistas contra o primado de Pedro é que o pescador da Galileia era sujeito a pecar, como todo homem. E, sem dúvida, o era. Entretanto, seu primado não repousa sobre qualidades humanas, mas na onipotente força do Fundador da Igreja.

Cristo não chamou São Pedro por causa das suas qualidades naturais; foi a graça de Deus que o converteu numa rocha firme e sólida. "Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas Eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça" (Lc 22, 31-32).

No seu livro-entrevista recentemente divulgado, Bento XVI relembrou que a tarefa exercida pelo Romano Pontífice não foi dada por ele a si mesmo. Pelo contrário, é o Espírito Santo quem escolhe o Papa, usando critérios divinos: "Não fostes vós que Me escolhestes, mas Eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça" (Jo 15, 16).

A santidade de um Papa, portanto, não é inerente ao ministério petrino, mas provém do esforço pessoal e, sobretudo, da ação da graça. As eventuais infidelidades na vida de qualquer Pontífice Romano serão sempre gravíssimas, mas não abolem sua autoridade, já que Deus pode servir-Se de instrumentos infiéis, e o Espírito Santo impedirá com sua assistência que os pecados pessoais ponham em risco a integridade da Igreja, garantida pela promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: "As portas do inferno não prevalecerão contra ela" (Mt 16, 18).

Quis a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, ao fundar a sua Igreja, estabelecer como chefe supremo um homem pecável, mas infalível em matéria de Fé e moral. Isto que foi aceito pelo consensus fidelium sem restrição, forma com a pessoa e o primado de Pedro uma feliz união fundada na caridade e na fé.

A Festa da Cátedra de Pedro

A Igreja celebra a festa de São Pedro em dois dias diferentes:

em 29 de junho, junto com São Paulo, e em 22 de fevereiro, a Cátedra de Pedro. A antiquíssima origem desta última festa está documentada por sua inclusão num calendário do ano 354 e no Martyrologium Hieronymianum, o mais antigo da Igreja Latina, composto entre 431 e 450. Há também referências a ela em duas homilias do século V.

Essa longa existência mostra a relevância do símbolo da Cátedra para a vida da Igreja e reforça com o testemunho da Tradição a importância dada ao primado petrino, pelo menos a partir de meados do século IV, pois, segundo explica o Martyrologium Romanum, a Sé de Pedro é "chamada a presidir a comunhão universal da caridade". O Missal Romano acrescenta que a comemoração da Cátedra de São Pedro põe em relevo a missão de mestre e de pastor conferida por Cristo a São Pedro que, em sua pessoa e na de seus sucessores, é fundamento visível da unidade da Igreja.



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