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quinta-feira, 14 de julho de 2016

O CONCÍLIO VATICANO II pelo Papa Emérito Bento XVI.

Um sacerdote pergunta ao Papa Bento XVI sobre um aparente sentimento de frustração em relação ao Vaticano II, e o papa responde o seguinte: 
Obrigado, é uma pergunta importante e que eu conheço muito bem. Também eu vivi os tempos do Concílio, estando na Basílica de São Pedro com grande entusiasmo e vendo como se abrem novas portas e parecia realmente o novo Pentecostes, onde a Igreja podia de novo convencer a humanidade, depois do afastamento do mundo da Igreja nos séculos XIX e XX, parecia que se voltavam a encontrar Igreja e mundo e que voltassem a nascer um mundo cristão e uma Igreja do mundo e verdadeiramente aberta ao mundo. Esperámos tanto, mas as coisas na realidade revelaram-se mais difíceis. Contudo permanece a grande herança do Concílio, que abriu um novo caminho, é sempre uma magna charta do caminho da Igreja, muito essencial e fundamental. Mas por que aconteceu assim? Primeiro gostaria de começar talvez com uma observação histórica. Os tempos de um pós-Concílio são quase sempre muito difíceis. Depois do grande Concílio de Niceia que é realmente o fundamento da nossa fé, de facto nós confessamos a fé formulada em Niceia não surgiu uma situação de reconciliação e de unidade como tinha esperado Constantino, promotor desse grande Concílio, mas uma situação realmente caótica de litígios de todos contra todos. São Basílio no seu livro sobre o Espírito Santo compara a situação da Igreja depois do Concílio de Niceia com uma batalha naval de noite, onde ninguém pode conhecer o outro, mas todos estão contra todos. Era realmente uma situação de caos total: São Basílio descreve assim com tons fortes o drama do pós-Concílio, do pós-Niceia. Cinquenta anos mais tarde, para o I Concílio de Constantinopla, o imperador convida São Gregório Nazianzeno a participar no Concílio e São Gregório Nazianzeno responde: Não, não venho, porque eu conheço estas coisas, sei que de todos os Concílios nascem apenas confusão e batalha, portanto não venho. E não foi. Portanto, não é agora, em retrospectiva, uma surpresa tão grande como era no primeiro momento para todos nós digerir o Concílio, esta grande mensagem. Inseri-lo na vida da Igreja, recebê-lo, de modo que se torne vida da Igreja, assimilá-lo nas diversas realidades da Igreja, é um sofrimento, e só no sofrimento se realiza também o crescimento. Crescer é sempre também sofrer, porque é sair de um estado e passar para outro. E no concreto do pós-Concílio devemos constatar que existem duas grandes suspensões históricas. No pós-Concílio, a suspensão de 1968, o início ou a explosão ousaria dizer da grande crise cultural do Ocidente. Tinha terminado a geração do pós-guerra, uma geração que depois de todas as destruições e vendo o horror da guerra, do combater-se e verificando o drama destas grandes ideologias tinham realmente levado as pessoas à voragem da guerra, tinham redescoberto as raízes cristãs da Europa e começado a reconstruir a Europa com estas grandes inspirações. Mas tendo terminado esta geração viram-se também todas as falências, as lacunas desta reconstrução, a grande miséria do mundo e começa assim, explode, a crise da cultura ocidental que pretende mudar radicalmente. Diz: não criámos, em dois mil anos de cristianismo, o mundo melhor. Devemos recomeçar de zero de modo absolutamente novo; o marxismo parece a receita científica para criar finalmente um mundo novo. E neste digamos grave, grande confronto entre a nova, sadia modernidade querida pelo Concílio e a crise da modernidade, tudo se torna difícil como depois do primeiro Concílio de Niceia. Uma parte tinha a opinião de que esta revolução identificava esta nova revolução cultural marxista com a vontade do Concílio; dizia: este é o Concílio. No papel os textos ainda são um pouco antiquados, mas por detrás das palavras escritas está este espírito, esta é a vontade do Concílio, assim devemos fazer. E por outro lado, naturalmente, a reacção: destruir assim a Igreja. A reacção digamos absoluta contra o Concílio, o anti-Concílio e digamos a tímida, humilde busca de realizar o verdadeiro espírito do Concílio. E como diz um provérbio "Se uma árvore cai faz um grande ruído, se cresce uma selva nada se ouve porque se desenvolve um processo sem barulho" e portanto durante estes grandes ruídos do progressismo errado, do anti-Concílio cresce muito silenciosamente, com tantos sofrimentos e também com tantas perdas na construção de uma nova época cultural, o caminho da Igreja. E depois a segunda suspensão em 1989. A queda dos regimes comunistas, mas a resposta não foi o regresso à fé, como se podia talvez esperar, não foi a redescoberta de que a Igreja com o Concílio autêntico tinha dado a resposta. Ao contrário, a resposta foi o cepticismo total, a chamada pós-modernidade. Nada é verdadeiro, cada um deve ver como viver, afirma-se um materialismo, um cepticismo pseudo-racionalista cego que termina na droga, termina em todos estes problemas que conhecemos e de novo fecha os caminhos à fé, porque é tão simples, tão evidente. Não, não há nada de verdadeiro. A verdade é intolerante, não podemos ir por este caminho. Eis: nestes contextos de duas rupturas culturais, a primeira, a revolução cultural de 1968, a segunda, a queda, poderíamos dizer, no niilismo depois de 1989, a Igreja com humildade, entre as paixões do mundo e a glória do Senhor, empreende o seu caminho. Neste caminho devemos crescer com paciência e agora devemos aprender de modo novo o que significa renunciar ao triunfalismo. O Concílio tinha dito que renunciar ao triunfalismo e tinha pensado no barroco, em todas estas grandes culturas da Igreja. Foi dito: comecemos de maneira moderna, nova. Mas tinha crescido outro triunfalismo, o de pensar: agora nós fazemos as coisas, nós encontramos o caminho e encontramos nele o mundo novo. Mas a humildade da Cruz, do Crucifixo exclui precisamente também este triunfalismo, devemos renunciar ao triunfalismo segundo o qual agora nasce realmente a grande Igreja do futuro. A Igreja de Cristo é sempre humilde e precisamente assim é grande e jubilosa. Parece-me muito importante o facto de agora podermos ver com olhos abertos o que também cresceu de positivo no pós-Concílio: na renovação da liturgia, nos Sínodos, Sínodos romanos, Sínodos universais, Sínodos diocesanos, nas estruturas paroquiais, na colaboração, na nova responsabilidade dos leigos, na grande co-responsabilidade intercultural e inter-continental, numa nova experiência da catolicidade da Igreja, da unanimidade que cresce em humildade e contudo é a verdadeira esperança do mundo. E assim devemos, parece-me, redescobrir a grande herança do Concílio que não é um espírito reconstruído por detrás de textos, mas são precisamente os grandes textos conciliares relidos agora com as experiências que fizemos e que deram fruto em tantos movimentos, tantas novas comunidades religiosas. Fui ao Brasil sabendo como se expandem as seitas e como a Igreja parece um pouco esclerotizada; mas quando cheguei vi que quase todos os dias no Brasil nasce uma nova comunidade religiosa, nasce um novo movimento, não crescem só seitas. Cresce a Igreja com novas realidades cheias de vitalidade, não a ponto de encher as estatísticas esta é uma esperança falsa, a estatística não é a nossa divindade mas crescem nos ânimos e geram a alegria da fé, geram a presença do Evangelho, geram assim também verdadeiro desenvolvimento do mundo e da sociedade. Portanto parece-me que devemos combinar a grande humildade do Crucificado, de uma Igreja que é sempre humilde e sempre contrastada pelas grandes potências económicas, militares, etc., mas devemos aprender juntos com esta humildade também o verdadeiro triunfalismo da catolicidade que cresce em todos os séculos. Cresce também hoje a presença do Crucificado ressuscitado, que tem e conserva as suas feridas; é ferido, mas precisamente assim renova o mundo, dá o seu sopro que renova também a Igreja apesar de toda a nossa pobreza. E diria, neste conjunto de humildade da Cruz e de alegria do Senhor ressuscitado, que no Concílio nos deu uma grande indicação de caminho, podemos ir em frente jubilosamente e cheios de esperança.

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